Mas não só.
terça-feira, 28 de maio de 2013
por que ele dorme na rua ?
De
vez em quando ele cuida do jardim do meu escritório.
Tira
os matos, varre a calçada, rega as plantas. Ganha um dinheirinho e some.
Sei
que às vezes ele bebe demais, e dorme na rua.
Sei
também que tem uma namorada, e que seu nome é José.
Tão
pouco.
Não sei o que se passa na vida dele, mas hoje,
demorando um segundo a mais em seus olhos, era como se eu soubesse.
E senti
uma urgência tão grande de sentar ao seu lado e conversar. Falaríamos
sobre a vida, sobre os medos que nos habitam, sobre o cansaço, as plantas, os
sonhos.
Contaria
de onde vim, e ia querer saber de onde ele veio.
Também
isso.
Mas não só.
Mas não só.
Pensando
bem, talvez eu não fizesse nada disso.
Talvez
um abraço apertado falasse mais.
domingo, 26 de maio de 2013
paz
Não
me apaixonei pela faculdade que fiz, não casei na igreja, não faço parte de
nenhum grupo engajado em salvar o planeta, não sei falar mandarim, não virei gente
famosa, não sei esquiar, não sou P.H.D. em nada... mas sinto uma paz danada
quando olho pra mim e percebo que muitas dores não estão mais lá.
Já
saí do olho do furacão.
Já sim,
várias vezes.
quarta-feira, 22 de maio de 2013
a casa dele...
Ele abre a porta e, de repente, está tudo ali : o
tempo, as mágoas, e os sonhos. Tudo impecavelmente organizado, como se assim
ele pudesse entender melhor as coisas.
As paredes
cinzas, como o sofá, e como o céu de sexta-feira.
Ele
nem via, mas o piso de cimento, que devia ser frio, sorria, envolvendo delicadamente as pastilhas brancas.
O afeto endurecido derretia nas fotografias.
Sobre a mesinha
da sala mais um lapso de alegria : um livro adulto estava coberto por outro, infantil.
Ninguém percebia, mas a música escapava pelas frestas do armário, ouvindo dizer que eram milagres, noites com sol... e um vento indigente soprava a toalha solitária
estendida no varal, lembrando que tudo é vida. Tudo, tudo.
Devia ser segredo, eu sei, mas tudo estava lá.
Vi alegria
escondida por todo lado.
E eu ?
Eu
era a desordem resignada, a única almofada fora do lugar. Um enfeite vermelho, um coração exposto.
Sem saber, ele me atropelava,
colocava vírgulas em mim.
Mas tudo é vida.
Tudo, tudo.
domingo, 12 de maio de 2013
para aprender a ficar...
Sinto como se estivesse mudando de bairro, de cidade, de
país, de planeta. Mais uma vez.
Mesmo não estando.
E é só com essa impermanência que sei lidar.
Descobri isso outro dia, mas tem sido sempre assim, e agora sonho
em sair detrás dessa trincheira.
Tenho feito um esforço danado para confiar, mesmo dentro do
medo.
É que minha vida me ensinou a ser trem, sempre chegando, sempre
partindo... sem nunca ficar.
Não sei durar. Mesmo querendo tanto.
Torço então, pelo dia em que vou, finalmente, achar meu tempo definitivo.
Meu para sempre.
quarta-feira, 8 de maio de 2013
q.u.a.n.d.o...
quando teu corpo me
abandona, se afastando só um pouquinho, pra poder focar no meu rosto que te
deseja, quando volta pra mim, e chega bem
perto, sorrindo de forma abundante e provocativa, me fazendo sentir tua
respiração tão rente à minha pele que é quase dentro, quando a gente se junta, mas nossa nudez se esparrama, quando você me ganha, e se
distancia mais uma vez, brincando de ciranda com o meu desejo, quando tua barba mal
feita arranha meu rosto que cora e você beija o meu sussurro e os meus lábios
inchados de ti, quando você recolhe
o gesto e desperdiça meu corpo que fica ali, se dando inteirinho à você, quando, no
minuto seguinte, me pede pra pedir que volte pra dentro de mim, de nós, da cama, do tempo...
quando...
quando percebo que tudo isso se deu numa minúscula fração de tempo onde não podia caber mais nada.
só mesmo o amor...
sábado, 4 de maio de 2013
despido, e despreparado !
Ela não foi ao encontro dele.
Devia ter ido.
Queria ter ido.
Talvez por isso ele tenha
dito que havia engolido as palavras que queriam saltar, e que não sabia se
voltaria a falar.
Fluiu com suas teorias de que
o ‘não dito’ havia se perdido para sempre, e de que para falar de novo seria
preciso preparar o espírito.
Falando assim, tão convicto sobre
o ‘não falar’, ele nem via que empurrava a menina para longe. É que ela andava cansada
daquele carinho que ficava sempre ali, sem nunca ser usado, e queria muito que ele experimentasse
estar distraído, que baixasse a guarda, que se entregasse aos momentos e às sensações,
que não pensasse tanto... e que, de preferência, se permitisse estar absolutamente
despreparado.
No fundo, no fundo, só o que ela
queria era que ele percebesse que o ‘preparo’ veste o afeto...
e que para ‘falar’, é
fundamental que se esteja despido.
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