segunda-feira, 26 de maio de 2014

x...

Hoje fiz uma promessa.
Vou sair dessa floresta.
E só o que consigo é pensar em Ralph W. Emerson. Ele estava certo quando disse que devemos fazer sempre o que temos muito medo de fazer.
Só assim se escapa dos nossos esconderijos emocionais.

Cansei de dever a mim mesma e à minha própria história.
E se, como você disse, o 'Eucaliptos' é um mapa, então é aqui que vou fazer um imenso "X".
É aqui que eu começo.

Solange Maia

domingo, 11 de maio de 2014

quando o amor faz sentido...

Domingo era dia que podia.
Então caminhávamos na ponta dos pés até o quarto dela. A imensa cama era um convite que não sabíamos resistir, o lugar mais afetivo e mágico do mundo. A impressão era de que na hora em que tirávamos os pés do chão, a vida parava.
O amor fazia tanto sentido ali...
Acho que foi assim que aprendemos o amor.
O engraçado é que ainda hoje, quando subo o elevador da casa dela faço-o em silêncio. Caminho no pequeno hall na ponta dos pés, e na hora em que a porta abre, sinto a mágica acontecer, exatamente como quando subia na cama dela.
O amor faz tanto sentido ali...
Mas agora já sei que não era a cama, e que não é a casa.
É a mãe.
Minha mãe é o lugar sagrado.

Solange Maia

(fotografia - mamãe e eu - 1968)

quinta-feira, 8 de maio de 2014

pelo êxito...

Se existia a possibilidade do fracasso, existia também a do êxito. Era o que latejava entre a lona e o chão daquele picadeiro. Havia um saber antigo ali, uma soma de metáforas coloridas e de projeções profundas. Aquela casa de espetáculos circular era um espaço afetivo, não restava dúvida.

O trapezista solto no ar, entre as duas barras, tinha coragem de abandonar o lugar seguro e mergulhar no abismo do desconhecido, mas só o que eu via era o futuro, que, embora estivesse logo ali, nunca estava pronto...

O palhaço, que errava onde não esperávamos, e acertava, igualmente onde não esperávamos, traduzia em alegria as melancolias e os enganos de todos nós. Rindo, denunciava a ordem vigente. Me fez lembrar de Nietzsche, que dizia que o estado de genialidade do homem era aquele em que ele podia, simultaneamente, amar uma coisa e rir-se dela.

Naquele circo era a proeza que delimitava o encantamento. Era justamente a incerteza que fazia o êxito do espetáculo, a permanente construção do sonho de sermos mais e melhores. Acolhi em mim cada pequeno gesto, e minha capacidade de escolha nunca se fez tão clara.
Existiria sim, sempre, a possibilidade do fracasso, mas era pelo êxito que nos movíamos.
Pelo êxito.

Solange Maia

sexta-feira, 2 de maio de 2014

fazendo a festa...

Tanta gente pela casa, música alta, uma luz avermelhada atravessando a névoa fina, as sombras nas paredes, velas pelo chão, vinho, taças... levou um tempo até que eu o visse. Camiseta branca, calça preta, cabelo despenteado, e aquele ar sério que sempre destoava do resto. Ele nunca estava totalmente integrado a lugar algum, sempre um pouco ‘ausente’, sempre um pouco forasteiro. Mas naquela noite a festa era dele. A casa era dele. As coisas deviam ser diferentes.

Eu sabia que ele, de alguma forma, estava me esperando. Então, sem pensar muito puxei suas mãos, deixando-o sem tempo pra reagir. Ergueu as sobrancelhas e sorriu gostoso.
Fugimos dali.
Na escada para o andar de cima senti que as mãos dele impunham-se sobre mim, puxavam minha roupa e meu cabelo. Nem bem subimos e eu já estava presa entre as suas pernas, ali, no chão da sala íntima, sem porta, sem nada. A respiração dele, na minha nuca, desencadeou um desejo mais instintivo, menos estudado. Era sempre assim que povoávamos nossas histórias, com esses desejos fora de lugar.
Os corpos suados, misturados, mas foi a música bonita que me levou para o colo dele, que então mordeu meu queixo e depois me beijou. Ficamos assim, com os lábios colados. Cinco minutos. Dez. Vinte. Mais.
Beijar era mais íntimo do que todo o resto.
E ele sabe, nunca, nunca resisto a um beijo.
Tantas pessoas pela casa, e a gente ali.
Fazendo outra festa.

Solange Maia