terça-feira, 30 de setembro de 2014

de joelhos...

Afundado entre as almofadas da sala vejo teus olhos fechando devagar ao mesmo tempo em que inspira mais ar do que precisa... desliza a mão pelo peito demorando na curva da nuca como se não percebesse que é assim que me despeço da menina tímida que mora em mim.
Sopra o ar, com o desejo atrelado à sua boca em “ó”, expira lânguida e lentamente, e assim acelera-me o pulso. Sinto a ventania que vem de dentro de você num espasmo orgânico e visceral.
Não tiro o olhar de ti enquanto afasto a tua roupa e passeio devagar por tua pele.
Arqueia o corpo e me encaixo no seu côncavo.
Abro mão de sussurros para que as palavras cheguem sonoras e quentes ao teu ouvido. 
Quero que escute que te desejo.
Escorrego no teu peito até cair de joelhos.
Quero que saiba que te desejo.
Meu cabelo faz sombra onde somos só um. Afasto para que me enxergue.
Quero que veja que te desejo.
E a esta altura somos só sentidos. Tudo exposto, e tudo dito.

Afundado entre as almofadas da sala você devia saber, mas acho que não sabe. É que se chegar mais perto, corre o risco de eu nunca mais te deixar partir.

Solange Maia

sábado, 27 de setembro de 2014

20 segundos de coragem...

'...e nada mais te prende aqui
dinheiro, grades ou palavras
partir, andar, eis que chega
não há como deter a alvorada'
PARTIR, ANDAR - Herbert Vianna

A malabarista no farol tem 9 anos. 10 talvez.
Chove.
As gotas deixam o rosto dela orvalhado, nem se nota o frio.
A menina tem um brilho que é quase um desdém. Uma ironia.
Joga as bolas para o alto, mas não desvia o olhar do moço que a observa de dentro do carro.
Sorri tão sutilmente que nem sei se ele vê, é só um canto da boca que mexe, e o corpo que brilha. Como brilha.

Tem quem pense que a menina não tem nada.
É magra, pálida, e talvez não devesse estar ali.
Mas a menina é livre, uma outsider corajosa, dona de um riso franco. Nada nela é óbvio, tudo está subentendido.

Os olhos são desconcertantes.
O moço do carro nunca se sentiu tão preso, tão pequeno, tão assustado.
E pensava no que tinha para oferecer. Moedas ?
O quanto valem diante dessa menina tão solta, dessa alma tão desalgemada, desses pés descalços ?
O moço, 'protegido' no carro, lembrou-se de um filme que contava a historia de Benjamin Mee, e de uma cena específica, belíssima, em que ele falava que “às vezes tudo que você precisa na vida é de 20 segundos de coragem extrema, 20 segundos de bravura insana...”, e que a partir daí tudo muda, tudo começa a acontecer.
É.
O mundo lhe dá milhões de razões para que você não mude, mas a malabarista no farol gritava o contrário.
Só quem se desprotege sente o sabor da liberdade.
E o moço foi outro pra casa.
Faltava-lhe ar.
Sabia agora o que tinha quase esquecido...
a vida é urgente.

Solange Maia

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

barba por fazer...

Não era exatamente uma barba. Era uma displicência sexy e máscula. A contramão do dia a dia, o abandono da rotina, a urgência ainda velada de não querer ser tão dócil, embora passasse longe da vontade de ser truculento.
E fazia com que ele, um homem adulto, parecesse muito, muito adulto. Testosterona pura. Adulto e primitivo. Ãh ? É que mulher gosta de homem doce, inteligente, sensível, mas não resistimos à virilidade, e, nesse caso, à barba. Aahhh... a barba. Acho que deve ser uma das melhores imagens dessa 'masculinidade'.

Mudo o ângulo e percebo que ele tem acolhimento nos olhos, não... não resisto. Mas é a barba por fazer que me distrai, parece trazer implícita aquela mensagem de ‘me garanto’. Resisto menos ainda.

Gosto de cara limpa, rosto lisinho, do contato da pele, mas nele a barba cerrada revelava atitude, despertava em mim o velho clichê : ‘quero descobrir o que esse cara tem’.
Desculpem-me os ‘sarados’, mas esse ar de ‘eu nem ligo’ é muito mais eficaz que um abdômen definido.

Difícil é encontrar racionalidade diante de um homem assim.
Inevitavelmente saio com o rosto arranhado.
Um pecado.
Mas, como todo pecado, absolutamente indispensável.

Solange Maia

terça-feira, 9 de setembro de 2014

pensamentos felizes fazem a gente voar, dizia Peter Pan...

Assistia repetidas vezes um desenho que gostava.
Era assim com o Peter Pan. 
Decorava as falas, sabia as cenas, conhecia o final.
E, por saber, permitia-me a antecipação de algumas alegrias que, mesmo já muito sentidas, eram quase tão deliciosas quanto as da primeira vez.
Eu sabia que todas as primeiras vezes carregavam uma espécie de eternidade, mas naquela hora não me importava com a repetição, gostava do prazer que sentia durante aquele momento, gostava daquela fantasia, da atmosfera, e acrescentava sempre algo novo ao meu repertório sensorial.
"Pensamentos felizes fazem a gente voar", explicava Peter à Wendy, e eu repetia.

Cresci. Mas em muitos aspectos continuo exatamente a mesma.
Ouço infinitas vezes uma música que gosto.
É que a gente quer repetir o prazer.
Somos fisicamente suscetíveis a essas pequenas alegrias.
E, mesmo depois que silencio a música, fica sempre comigo alguma nota.

Então, sim.                                                                       
Claro que sim. Quero ganhar música de presente.
Quero desde muito antes daquele agosto de 2013... quero pela música em si, que é tão perene e causa sempre tanto impacto em mim, mas quero também porque, de alguma forma, você vem dentro dela.
Sim, principalmente por isso.
Porque pensamentos felizes fazem a gente voar.

Solange Maia