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Você era pequenininha e eu te levava para ver o sol se pôr.
Ficávamos 1, 2, 3 horas olhando o céu e conversando. Você ainda conhecia poucas palavras, mas apontava para o céu e olhava para mim. Era o seu jeito de dizer tanta coisa. Quando via um pássaro arregalava os olhos. Quando o céu mudava de cor ficava em silêncio. Quando a noite chegava, abandonando os últimos laranjas, você apertava ainda mais o seu corpo no meu.
Lembro de pessoas me perguntando se isso não era uma atividade chata para uma criança tão pequena. Talvez fosse mais interessante se você a levasse a um parquinho, se fossem assistir um filminho ou simplesmente brincar com outras crianças, diziam. Fazíamos isto também. Mas o que eu queria mesmo era que você conhecesse o sagrado.
E não renunciava a te levar para ver o sol se pôr.
Presenciar aquele espetáculo tão singelo e ao mesmo tempo tão potente era exatamente o que eu queria te mostrar.
Queria te ensinar a ver. A sentir. A contemplar.
Queria aprender a ver o que os seus olhos viam. Outros ângulos, outras percepções.
Queria que nunca fossemos reduzidas em nossa capacidade de existir.
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E lá ficávamos, na beira da represa, algumas vezes sozinhas, mas sempre tão absolutamente habitadas.
Havia muita grandeza nos envolvendo.
Muito de Deus estava ali.
A verdade é que não o imagino distante, inatingível, assustador. Sinto-o perto. Sinto-o no ar, no pulsar, no desconhecido, no chão e em cada célula sua.
Viver é muito essa capacidade que desenvolvemos de olhar. Olhar para o mundo e entender que somos um pouco de tudo aquilo.
De cada imensidão e de cada pequenez. De cada mistério e de cada revelação. De cada recuo e de cada investida.
É assim que a gente enriquece, filha, neste acolhimento do sagrado.
E, como sei que a gente aprende observando, quero ser, para você, sempre oferta.
Sempre sua mãe.
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Penso em Mia Couto. E em como ele também descobriu esse tipo de abundância.
Ele conta que em muitos lugares pelos quais viajou encontrou pessoas que não sabiam ler livros, mas que sabiam ler o seu mundo. Liam os sinais da terra, das árvores e dos bichos. Sabiam ler as nuvens e o prenúncio das chuvas. Naquele universo de outros saberes, havia a compreensão de que era ele o analfabeto.
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Torço para que saibamos reconhecer essas riquezas.
E para que sejamos sempre uma pergunta, meu amor.
Porque, se nesta missão de ser mãe, eu tiver lhe ofertado esse olhar sempre faminto e absolutamente encantado, sou então, a pessoa mais feliz do mundo.
Te amo, filha.
Mamãe