segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

dos Natais...

O cavaleiro medieval é transportado através dos séculos pela velha feiticeira e surge em 2019. Ohio. Enredo bobinho, açucarado, mas bastam cinco minutos transcorridos e já quero ser a garota do filme. Quero ser personagem de qualquer conto de fadas com direito a sinos, neve e a xícaras fumegantes de chocolate quente. Meu marido ri no outro canto da sala enquanto tenta entender meu encantamento. Afinal, gosto de filmes espanhóis, de Auguste Rodin e de filosofia.
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Longe do estereótipo da princesa, sou dessas mulheres que foram forjadas no fogo. Ariana de gestos decididos, forte, corajosa. Desde muito cedo dei conta do recado. Mas alguma acontece comigo no Natal. Viro menina.
Quero usar colares de bolas coloridas, deixar as cortinas abertas até tarde porque sei que o trenó pode deixar um rastro brilhante no céu a qualquer momento, fazer cupcakes de cereja e castanhas e quero um presépio napolitano, renascentista, com tantos personagens que tenha até galinha, cestas de pães, carpinteiro e pastores. Encho a casa de luzinhas e as acendo todas as noites. Coloco músicas de Natal e me comovo.
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Sei lá, nesta época do ano a rotina não me basta. As fotografias não me satisfazem, os contos e os filmes tampouco: preciso dos cheiros, das texturas, do fogão, do toque, dos arredores e das pessoas. Mais do que a festa de cada Natal, preciso conhecer suas histórias.
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O Natal também é belo por sua incompletude, por seus vazios, pela necessidade repentina e urgente que sentimos das nossas famílias, dos nossos vínculos, dos nossos afetos.
Mais do que os presentes, gosto dos laços, dos cartões, dos olhares e da ternura.
São dias de celebração da vida, é quando podemos esquecer nossas deserções e preencher nossos abandonos.
Talvez seja por isso que essa data me faz querer ser parte de um conto de fadas.
Porque o Natal resgata em mim a infância que vou perdendo durante o ano.
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Solange Maia


P.S. Deixo meu abraço mais carinhoso e o desejo de um Natal terno e amoroso...

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

será que estamos abandonando as coisas cedo demais?

A imagem pode conter: noite
Criei muitos textos ao som de Norah Jones. Talvez por isso tenha esperado ansiosa os meses que antecederam seu show.
Brinco dizendo que ela faz música adulta, elegante, consistente. É capaz de nos conduzir por ondas ébrias, doces e sensuais. Estabeleceu, sentada ao piano, com a luz do palco baixa, uma atmosfera íntima e envolvente.
Foi fácil esquecer, durante aqueles minutos, tudo o que havia deixado lá fora.
Me emocionei. Por tantas coisas.
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A música é um descanso secreto que vai tomando o lugar de todos os pensamentos. Os dedos encostam na pele das teclas e nos suspendem no ar. Não há mais buscas, só o fogo trêmulo do desejo sustentando as notas e as harmonias. Até que sentimos outra chama se erguer: a do amor.
Norah constrói essa experiência só com as sonoridades. Para mim, é uma deidade.
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Essa imensidão acontecendo no palco e, em contrapartida, na outra extremidade uma estranha agitação. As pessoas levantando e voltando a se sentar, um murmúrio sutil, mas incessante. Uma desatenção. E me pego tentando compreender onde foi que tantas pessoas perderam a capacidade de se envolver. Desde quando pararam de mergulhar e de viver as experiências com inteireza?
Ouvir Norah Jones, Nina Simone, Madeleine Peyroux ou Billie Holiday é muito mais do que apertar o “play”. A experiência oferece completude, precisa ser sensorial para ser completamente vivida. E vale cada segundo...
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Suspeito que estejamos sendo atropelados pelo tempo e pela ligeireza. Nem bem é anunciada a última canção e as pessoas já começaram a se levantar. Um alvoroço, uma urgência. Homens apressados seguidos por mulheres aflitas formavam filas em direção às portas de saída. No palco Norah ainda cantava, límpida e acessível, a voz aveludada inundando o espaço e a alma.
No fim, quem não tinha tempo para perder, perdeu.
Norah terminou aquela bela canção e ainda voltou para o bis.
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Penso nas tantas coisas que são ainda mais prazerosas pelo que sobrevém ao instante. Depois do amor a estadia dos corpos nus, entrelaçados sobre a cama, talvez seja a eternidade de um casal. O suor escorrendo pela margem do dorso, o cheiro da pele, o cabelo desalinhado caindo sobre o rosto são as molduras do que é permanente. Do que é imortal.
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Torço secretamente para que sejam mais importantes as vagarezas do que a pressa para desocupar a cena, tomar uma chuveirada, ajeitar a maquiagem, passar novamente o perfume e, indiferente ao outro que ainda te espera, finalmente, estar pronto. Pronto para quê? Para se fotografar diante do espelho e postar um sorriso resumido nas redes sociais.
Peço desculpas à Norah...
É que talvez as pessoas estejam abandonando as experiências cedo demais.
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Solange Maia

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

15 anos...

Você ali na sala, experimentando o vestido cor de hortênsia e calçando as sapatilhas prateadas, me fez lembrar daqueles momentos na vida que são capazes de tornar tudo ao redor sagrado. Horas em que o sofá, o tapete, a poltrona e os livros perdem a força da presença, são só molduras.
Você é o encanto. É o centro, é o mistério. É o amor.
Me preencho da sua imagem até esgotar o fôlego. Tão linda.
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E fico torcendo em segredo para que você seja exatamente o que deseja ser.
Sei que o tempo é movediço, que os instantes são fugazes, mas desejo que sempre reconheça as eternidades.
Que sua alma permaneça íntegra, transbordante e incauta.
E que você saiba que, de vez em quando, a gente se sente pequena, mesmo que todos os outros nos enxerguem grande.
Depois passa. E a gente volta a ter a medida do nosso coração.
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Rezo para que desvie de abismos, para que tenha muitos amigos, para que nunca se canse de ver o céu, para que se derreta em abraços, em beijos e em ternuras. Rezo para que sua infância sempre te habite, para que se sinta muito amada e para que saiba contar as suas bençãos, assim como fazemos hoje.
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Encho o peito de alegria porque sei que serão seus, para sempre, o mar castanho de Itanhaém, os esquilos de Campos, o azul de VilleFranche, as empanadas de cebola e queijo, o meu bolinho de arroz, a mini xícara na qual o Vovô te dava café quando você tinha pouco mais de 1 ano, o "gulira", o cangote da Bibi na música “meu Deus me ajuda a segurar essa cruz”, a história de Lilly Brown, o beijo no sapo, "be brave", a gente afastando os móveis do escritório para dançar Loka, loka, loka, o dia que resolveu ir sozinha para a escola, aos 4 anos, o piano com o Randy, o bom dia dado pela janela do carro aos pedestres no caminho da escola, o torta de goiaba na esquina da casa da Bisa, os passeios no buggy do vovô, as geleias de amora feitas com a Vovó, o marshmallow na fogueira do terraço, a piscina nas noites de verão, a primeira vez que você andou sozinha de elevador para ir na casa da Lulú, o seu guarda-chuva com orelhas, os castelos iluminados de Lego, as mágicas com o Helder, o dia que você me deu Júpiter, a bota de borracha de pisar nas poças da chuva, o esmalte amarelo, costurar na máquina de costura da vovó, as mamadeiras temperadas com canela e mel, o transito da rua Sócrates, a vontade desesperada de fazer xixi, o Chico Buarque, a Ana Carolina, o Frank Sinatra e o Elvis Presley, nossas conversas intermináveis antes de dormir, nossas promessas de amor e nossos tantos mistérios e segredos.
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Sou sua desde antes de existir e você é minha muito antes de saber.
Que Deus te guarde e te ilumine, meu amor, porque nada pode ser mais bonito do que essa sorte que tivemos na vida.
Te amo.
Feliz aniversário.

Solange Maia