sexta-feira, 28 de novembro de 2014

o cardápio que quero sempre...

Velas, vento, vinho, volúpia... é o cardápio de hoje.
Música, pele, pelo, pedido, abrigo, lençóis, sussurros, silêncios, segredos, bocas, beijos, suspiros. Cama, mesa e chão. Fêmea, fome, fenda, fundo. Respiração, pernas, dorso, nuca e mão. Ninho, névoa, água, gel. Língua, suor, curva, tremor, calor. Frio. Frente. Verso. Poesia. Crua e nua. Olhos, arrepios, close, so, so close... Luz, escuridão, tato, olfato, degustação. Tesão. Amor. Paixão. Delicadeza e palavrão. Repetição.
Tudo. absolutamente tudo.
Dentro. Fora. Dentro.
Tanto, tanto, tanto...
Tudo leve, tudo posto, tudo nosso.
O presente é a gente.
Você me dá sorte !
Também te amo.
Também te como.
Também te devoro.

Solange Maia

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

se Sartre estava certo...

porque eu te amo, MB...
e porque é assim que me sinto livre,
estando ao seu lado.

A menina queria alguém que conduzisse a carruagem.
Queria descansar.
Parar um pouco de tentar ser sempre tão corajosa.
Queria alguém que quisesse as mesmas coisas que ela, e achava que eram coisas tão simples, como alguém que entrelaçasse os dedos aos seus enquanto lhe desse as mãos, alguém que dissesse 'eu quero estar aqui, porque te amo, porque reconheço a imensidão e a raridade do que temos, mas, sobretudo, porque é assim que me sinto livre, estando ao seu lado'.

A menina queria ser cuidada.
Queria não ter que fingir o tempo todo que era forte, muito forte, e madura, muito madura.
A menina era só uma menina.
E torcia para que ele percebesse.
Urgentemente.

É que às vezes a gente sucumbe. Desaba mesmo. Como se todas as bênçãos não segurassem a lágrima gorda que insiste em pesar na pálpebra. Sente medo. E chora. A gente chora as histórias de uma vida inteira. E deseja um colo que dure.
A menina parecia tola, mas Sartre também era.
Se ele estava certo, 'fomos sim, condenados à liberdade'.
E ao peso de poder escolher.
Condenados.

Solange Maia

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

alegria vem por acaso... já dizia Lacan

Já se passaram quase 4 anos desde o dia em que esse cartão postal aí em cima (foto) chegou dentro de um envelope para mim. Nâna Pessoa me enviou. Junto com outros doces mimos. Mal sabia ela que esse sorriso, tão simples e tão surpreendentemente emblemático, seria tão importante pra mim. É que ele, o sorriso (sobretudo o sorriso com o olhar), virou um símbolo, uma brincadeira entre minhas irmãs e eu. É que achamos a menina retratada dona de uma alegria tão ‘de verdade’ que prometemos guardar a imagem e enviar uma para a outra somente no dia em que vivêssemos algum episódio que justificasse uma alegria dessas dentro da gente.
Desde então, ter esse postal enviado ou publicado seria o mesmo que dizer : - Manas, sabem aquela ‘alegria de verdade’ ? A supreendente ? A da menininha do postal ? Pois é, ela está aqui, bem agora, comigo.
E teríamos algo a brindar !

Cumprimos a promessa. A menina do cartão postal ficou guardada esperando tal momento.
Não que não tivéssemos tido alegrias. Tivemos. Muitas. Alegrias cotidianas, pequenos presentes, momentos mágicos, mas confesso, nada que justificasse tirar da gaveta da memória nossa doce menina sorridente.
Até ontem.
Ontem, quando me olhei no espelho escovando os dentes, a menina estava lá. Reconheci na hora.
Meus olhos transbordando uma ‘alegria de verdade’.
E alegrias de verdade são surpreendentemente simples.

Não podem ser metas, porque não são um destino a se chegar, agora eu sei. Escondem-se no caminho, e correr atrás seria o mesmo que correr atrás do vento, ele nunca está lá. Alegria é mistério do instante, é fugaz, pertence ao agora.
E vem por acaso...

Olhei no espelho mais uma vez, já com os dentes escovadas, e era óbvio : estava feliz.

É, Nâna, estou feliz.
Estupidamente feliz.
Como a menina do postal.
E reconheço na minha felicidade o quanto a alegria é poderosa.
Embora sutil e discreta.
Como a poesia que vejo numa maçã.


 Solange Maia

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

me leve para onde bem entender...

Não há porque cortar caminho.
Não há porque ir direto à linha de chegada.
Sei agora que no amor beija-se com o corpo todo, na contramão da pressa. Cuida-se para que nada escape ao olhar.
São assim os passeios que temos feito um no outro.
Nenhum dos nossos sentidos está dormente, tudo vibra, tudo comunga, tudo deseja.
Não temos uma única intenção no nosso amor, não é só sexo, nem só bocas, ou beijos, ou delicadeza, não é só coisa alguma. Somos plurais em nossos quereres, desejamos o caminho todo. Cada curva, cada fresta, cada vão.
Percorrer uma trilha demorada, fazer amor mesmo sem o ato, provocar excitação intensa, despertar desejos lentamente, perder o fôlego...
Somos feitos desses abraços cheios de segredos ao pé do ouvido, das vontades nunca antes confessadas, dos beijos infinitos, de conversas sérias e de conversas tolas, somos riso e bilhetinhos, somos flor, somos água, palavras e silêncios.
Você segura a minha mão, e no minuto seguinte puxa o meu cabelo. Somos tanta coisa.
Não damos ouvidos à pressa do resto do mundo, flertamos com a vida. Nosso beijo demora, sempre e muito, não sabemos o que é ‘selinho’, vergonha ou censura. A gente se dá. É fato. E gosta. É fato também.
É por isso que deixo que você me leve para onde bem entender.
Porque nosso caminho é mais importante que nosso destino.
Nossa companhia é mais importante que a geografia.
Muito mais.

Solange Maia

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

alguma coisa está muito errada...

Na menina bulímica no sofá, nos garotos que brincam com armas, no homem solitário que ninguém vê, na moça que está realizando a sétima cirurgia plástica, sem nunca ficar satisfeita, na pessoa que escolhe morrer, na que vê diferença na cor da pele, em quem come demais, em quem tem medo de Deus, em quem acredita nas próprias mentiras, em quem dá a mão para a culpa, na coragem que não vem, na buzina insistente e agressiva dos carros pela manhã, no cara que resolve no braço possíveis diferenças, em quem bate, e em quem apanha, no sequestro, no consumo, na droga, na tão descabida guerra, no dinheiro que mente comprar tudo, em quem decide, mas não vira a página, e em quem não sabe quando parar.
Na arte que ninguém vê, na música que ninguém ouve, no beijo que não demora, no amor que não se dá...
Na criança que não brinca, no adulto que não se entrega, no sexo sodomizado e não consentido.
Na soberba, na arrogância, e na indiferença.
Alguma coisa está muito errada na solidão.
Está, mas ainda assim, agradeço. 
Agradeço a bendita precariedade de todos nós, porque ela é baliza que indica prováveis caminhos.
Agradeço e torço para que nunca me falte o senso agudo da responsabilidade, porque sou eu quem faço essas escolhas. 
Sou eu quem traço os meus caminhos, 
e não quero nunca 'não ver'. 
Não quero nunca minha vida reduzida por falta de opções.
Sim, alguma coisa está muito errada, mas ainda assim, ainda assim, agradeço, afinal a gente ainda pode fazer escolhas.

Solange Maia


(imagem : fragmento vazio - pablo herrerias)

terça-feira, 4 de novembro de 2014

nem queria te contar...

Tenho te amado em silêncio também.
Verdade. Às vezes te amo assim, sem precisar te contar.
Te amo quando flagro aquele instante sutil em que morde o lábio inferior e sorri ao mesmo tempo, quando põe as duas mãos envolta do meu rosto, me olha demoradamente e só depois me beija, quando escova o cabelo, primeiro com a escova e depois com as mãos, quando fala todo empolgado sobre ferver durante sete dias e sete noites as folhas venenosas que farão a maniçoba. Te amo quando me conta que todos os dias beija o teu pai, quando leva semanas pensando num presente bem legal pra tua menina, quando funde todas as nossas músicas num único pendrive, e diz todo bobo que gosta mais das minhas, amo também quando me pede para levá-lo conosco seja onde for. Te amo quando me conta que deixou de ganhar a corrida mais importante da tua infância só para não atropelar uma menina, quando fala palavrões pra aumentar a força das suas exclamações, quando deitados recua o corpo pra me ver melhor, quando sorri de olhos fechados diante das minhas ‘experiências sensoriais’. Te amo todas as vezes que sussurra em meu ouvido “foi a primeira vez que fiz isso na vida”, e quando, em contrapartida, cheio de soberba se diz o melhor cara no teu negócio,  e depois ri. Te amo quando dormindo me puxa pra mais perto de ti, e quando põe uma camiseta qualquer em cima da luzinha da tv a cabo, só pra deixar o escuro ainda mais escuro. Te amo quando me conta dos teus quadrados, quando sorri ao ouvir minhas bobagens, e quando cuida dos meus 'medinhos' que nasceram depois que me apaixonei. Te amo quando descobre que agora sinto ciúmes, e sorri porque eu disse toda adulta que nem sabia o que era isso, e quando pede desculpas por me interromper, sendo que o faço vezes sem fim. Te amo quando me conta que gosta de comédias românticas, de Carpinejar, do meu bolo de chocolate, e, na verdade, de qualquer coisa doce, e qualquer bolo de chocolate, mas que não gosta de Ana Carolina, nem de pimentão. Te amo quando quer saber se fica mais bonito com gel ou sem gel, com barba ou sem barba, quando faz perguntas, muitas, quando procura respostas, quando encanta-se com frases, com palavras, e com silêncios. E, toda vez que você sorri, te amo ainda mais.
Não. Talvez eu não tenha te contado, talvez eu nem queira te contar, mas sei que você sabe... 
É que o meu silêncio 'guarda' a tua presença o tempo todo.
Mas o meu olhar não.

Solange Maia