terça-feira, 28 de janeiro de 2014
mais, ou melhor ?
De vez em quando me flagro pensando em Antoine de
Saint-Exupéry e, mais especificamente, em uma de suas falas. Ele dizia que do
primeiro amor se gosta mais, mas que dos outros se gosta melhor.
Foi mesmo com meu primeiro amor que vi a vida em caixa alta.
Não adiantavam conselhos do tipo ‘nem tanto ao mar, nem tanto a terra’, tudo
era extremo. Tudo era maiúsculo.
É fato, ama-se hiperdimensionadamente da primeira vez.
Mais.
Mas no fundo, éramos apaixonados mais do que por nós mesmos,
pelo amor.
Éramos devorados por aquela tempestade furiosa e, paradoxalmente, límpida.
Sentíamos o desejo sendo talhado em nosso intimo, oscilando entre palpitação e
volúpia, tempo de descobertas. Tempo de deixar de lado os dez mandamentos.
Tempo do bom pecado.
Aí a gente cresce, e vêm outros amores. Somos impelidos a
descobrir o outro, e o amor já não é só ímpeto, é delicadeza também. É construção
serena, requer tempo, é incrível, e frágil. Gosta-se então, com mais delicadeza, abraçam-se outras
formas de felicidade. O amor quer ser fluxo contínuo, quer ser de todos os caracteres.
Peca-se com mais apreço.
Melhor.
Solange Maia
sábado, 25 de janeiro de 2014
você entende até o que eu não digo...
Estou. Estou aqui.
Ouvindo Julia Stone que é o caminho mais curto para me levar a você. Sem coragem para te contar que li tuas palavras, uma a uma, e que por
isso acordei tão cedo que o sol nem tinha nascido. E que nesses dias as manhãs são sempre espetaculares, e me induzem mais
ainda pra dentro de ti.
Estou. Estou aqui.
Pensando
que o nosso discurso possui sempre uma carga semântica de erotismo, mas que no
fundo só o que queríamos era gritar essa nossa insatisfação que ninguém vê. E o
que é desgostoso na gente foi justamente o que ficou gostoso depois. E acho que
agora a gente sufoca na boca um poema inteiro.
Estou.
Estou aqui.
A mesma
música pela quinta vez e ainda sem encontrar as palavras certas pra te
responder. Lá fora o sol desponta e me
faz entender que algumas coisas nem precisam de resposta. Tá tudo lá. Fotografei
porque eu sei que você entende até o que eu não digo.
Algumas coisas são,
simplesmente.
Solange Maia
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
é platônico, super platônico...
Ele encosta em meu braço e
coloca fogo na minha mente.
Mas é platônico. Super
platônico.
Porque na prática seríamos impossíveis.
Seriamos um amontoado de obstáculos
e de nãos. Mas até isso, até esse tanto de desajustes e de impossibilidades, colaboram
para torná-lo ainda mais sedutor, ainda mais deleitável. Ele me conduz ao amor.
É que nele tudo parece
próprio, tudo parece favorável.
E, como se não bastasse, ele ainda
me empresta uma alegria bonita.
Mas me deixa com os
pensamentos atrapalhados e as sinapses dentro do cérebro prejudicadas. Vou, e
nem sei por que estou indo. Incendeio nesse anonimato confortável de tudo que é
só da ideia, e não dos fatos. Destilo pelos poros tudo o que poderíamos ser. E
gozo nesse esconderijo que inventei. Em silêncio. É segredo.
Segredo que no fundo ele sabe.
Todo ‘alvo’ de amor platônico sabe.
E corresponde.
Somos, então, amantes platônicos,
eroticamente envolvidos,
e muito mais despidos do que ao
nos despir.
Solange Maia
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
o conselho era pra mim...
Sentada à mesa do restaurante
percebi o casal discutindo do outro lado. Todos perceberam.
A noite estava linda e o
panorama revelava-se perfeitamente circular, não fosse, é claro, o oblíquo
daqueles dois. O agudo nas palavras, os movimentos dela rasgando o ar, as coisas
mais vertiginosas do que deveriam ser, os olhares sendo ângulos retos. Dois desertos.
Rabisquei num guardanapo :
No amor tudo o que dermos jamais nos faltará.
Arrisquem um primeiro passo, atravessem a barreira do
silêncio. Declarem. Seja lá o que for, declarem.
Não sejam reféns do silêncio ou do medo.
O amor é comoventemente belo. E raro.
Conservem-no.
Caminhei em direção aos dois
para entregar o bilhete no mesmo instante em que ele atravessou por cima da
mesa e beijou-a, calando assim aquela mágoa. Demorou no gesto, o que me fez
recuar.
Acho lindo quem tem esse tipo
de coragem.
E o mundo tem precisado tanto
disso, dessa gente que pensa e completa o gesto, que se entrega sem constrangimentos e que enxerga a urgência do
amor.
Alguns pedidos de socorro são
sutis.
Ele viu.
Também vi.
Fui embora com o bilhete
apertado contra o peito.
Era minha a historia que
morava dentro dele.
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
...uma família Doriana ?
Não, não foi ela.
Não foi minha mãe que me apresentou
ao tão hermético conceito de família perfeita. Nem tampouco meu pai.
Todos sorriem, amam acima de
todas as coisas, são bonitos, e muito bem sucedidos, seja em que idade for.
Talvez seja um estereótipo do
nosso tempo, fruto dessa cultura condicionada e dirigida em que vivemos.
Não sei.
O que sei é que mesmo não gostando
de nada muito conservador, ainda assim me flagrei algumas (não tão poucas)
vezes sentindo uma espécie de mal estar diante de tão perfeita tradução da
felicidade. Confesso que investi tempo tentando entender como eles conseguem.
Um sofrimento forjado pelo
mito da família perfeita.
A minha não é assim.
Uma família basicamente só de
mulheres, e todas cresceram de véspera. Com personalidades fortes e bem definidas.
Mulheres que falam, defendem, hasteiam bandeiras... nem minha filha de nove
anos escapa. É ela quem chama o garçom e pede a conta.
Somos mulheres, a despeito
dos homens.
A duras penas aprendemos como
queremos ser amadas. Longe de sermos o retrato do vazio.
Feitas de uma imperfeição onde
tudo é verdade, ainda que a verdade não seja uma das maneiras mais fáceis de
lidar com o mundo.
Uma família obrigada a lidar tão
cedo com a realidade.
Sabemos compor nossos medos, transformar
nossos fracassos, e, sobretudo reconhecer a quilômetros um gesto de
generosidade.
Herdamos coragem. De sobra. E
isso sim nos foi apresentado por mamãe e por papai.
Nutro imenso respeito por
essa desordem.
É. Somos deliciosamente orgânicos.
E, claro, não precisamos da família
Doriana.
para minha irmã, Luciana Maia, com amor.
sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
gosto de estar bonita pra ele...
Deixou-me uma caixinha de fósforos
e um bilhete escondido lá dentro. Só ele sabia que não era
preciso muito mais do que isso pra me tirar pra dançar. Conhecia o que me seduzia.
Era desse jeito que ele me
convidava pra fugir para um deserto qualquer, sempre furtivo, sempre clandestino.
A música que ele havia escolhido mudava tudo a minha volta, minha visão e meu olfato.
A pele com cheiro de fruta. O ar
com perfume de mato.
Uma serpente atravessa a
estrada e já não tem nem dança, nem nada. É a boca dele que, em mim,
cria minúsculas partículas de luz que se agitam com tanta intensidade que
quando percebo minhas pernas estão sobre as dele, e não há mais como parar esse sentimento. Tudo fica tão envolto por essa força, tudo parece tão protegido, que demoramos ali, sabendo que logo mais vem aquele momento único em que tudo voa, tudo vai pelos ares...
Depois, já assentados no tempo,
ele me olha, tira a mecha de cabelo caída em meu rosto, e sorri.
Discretamente miro minha
imagem no vidro do carro, e ajeito o vestido. Gosto de estar bonita pra ele.
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