Outubro. Ninguém num raio de 40 ou 50km. Nada, nem água, nem gente, nem casa, nem posto de gasolina. O GPS era uma tela em branco. Ninguém mapeou aquele lugar, o sinal desaparece. Desaparece a vida. Nenhum bicho, nenhuma ave, nenhum réptil, nenhuma planta.
Nenhum verde.
Aos poucos desaparece o tempo, a saudade, a memória. Desaparece o passado.
Nenhuma nuvem, nenhum som.
A impressão que tive é que de repente parei de respirar.
O sol irradiava um clarão ofuscante e dramático, mas parecia noite. De uma escuridão exagerada, interna, eu sabia. De uma rudeza áspera.
De uma beleza absurdamente solitária.
Olhar esse nada, estranhamente, me devolvia a mim.
Eu já havia sido cada uma daquelas pedras, cada centímetro daquele vazio.
Senti necessidade de fechar os olhos para existir.
E ali fiquei, experimentando aquela ‘não existência’ até que encontrasse o final dos meus medos.
Mas estava quente demais, e os quase 50°C me devolveram rapidamente à realidade.
Abri os olhos e o sol incandescente impunha seu calor, simplesmente. Cada coisa existindo, exatamente como devia ser.
O bicho pequeno, rasteiro, para diante de mim e riu.
O nada é habitado, eu já sabia.
Devagar, e aos poucos, fui voltando a respirar.
E lá estava o deserto e suas encostas coloridas, cheio de dunas onduladas e de um horizonte que não acaba.
Cheio de um vazio tão necessário.
Bonito é quando a gente percebe que somos todos feitos desses pedaços desabitados, embora, assim como no deserto, o vento, os cactos, o escorpião, a serpente, o falcão e o lagarto, estejam sempre ali.
Sempre ali.