quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Maria da rua...

Maria fazia uma coisa com as mãos.
Segurava nas dele com firmeza, criando um elo, um vínculo, sem qualquer hesitação.
E permanecia nele até que o tempo sumisse.
A dor não. A dor, ela sabia, ainda estava lá.

O lugar era pequeno, muito pequeno, no rodapé sálvia, alfazema, alecrim e manjericão. Folhas quentes perfumando o ambiente.
Eram para proteção.
Algumas velas, ventania só lá fora.
Ali dentro tudo era densidade e calor.

Maria ecumênica, que veste branco e tem sempre os pés descalços. Maria generosa, que faz canjica e que abre as portas de sua casa.
Maria que é mãe, que é abrigo, que é densa.
Maria que é doce, que é abraço e que é coragem.
Maria das dores e das solidões.
Maria da rua.
Maria que eu nunca vi, mas sei que é boa.
Maria de fé, do cais e do caos.

Quietude. Até que, de repente, um arfar rompe o silêncio seguido por um choro doído.
Era Maria, ampla, levando embora aquela dor.
Era sempre assim. E dava sempre certo.
Ela fazia alguma coisa com as mãos.

Ave, Maria. Salve tua graça.
E rogai por nós.

Solange Maia
08/12/2015

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

então o amor esfria?

Hoje, lá perto de casa, um casal chamou minha atenção. Ele caminhava muitos passos na frente dela. Havia um vale imenso entre os dois, qualquer um podia ver. Essa indiferença me entristeceu. Onde foi que isto aconteceu? Ela tão bonita e ele tão interessante. Em que parte da relação eles pararam de se desejar? Porque ainda iam juntos ao mercado? E juntos na vida?

Lá dentro, nos cruzamos mais uma vez, ele perguntando se deviam levar pêssegos ou ameixas, ela erguendo os ombros sem mover os olhos, como quem diz, sem precisar de palavras, que pouco importava.
Já não havia paladar, nem vontade de experimentar, não diferenciavam mais os sabores. Um pêssego ou uma ameixa, tanto fazia, já não lembravam mais do gosto de um, ou do outro, não havia mais mimos ou dengos, não se descascava a fruta, enfeitava o prato ou aquecia o leite.
Tudo morno.

Mas em algum tempo haviam sido apaixonados, sentiram ternuras e arrepios, escreveram bilhetes, acariciaram-se, dormiram de conchinha, contemplaram paisagens no bom silêncio, riram deles mesmos, encontraram alegrias nas coisas singelas, esperaram o outro para jantar, tomaram vinho, fizeram planos, passaram perfume, levaram toalha seca na saída do banho, separaram o travesseiro mais macio para uma noite de sono especial, levaram café na cama e escreveram recadinhos no espelho do banheiro. Beijaram-se demoradamente, posso apostar.

Então como viraram aquilo que eu estava vendo?
Não havia mais nem admiração, nem amizade. O sentimento havia mudado, era evidente. Acreditavam não ter mais idade para febres ou paixões. Talvez tenham crescido em direções diferentes, talvez tenham negligenciado a relação, se acomodado na certeza de que as coisas eram assim para todo mundo e que, o que valeria a partir de agora, era saber que tinham alguém. E pronto.
Como assim?

A vida pode ser tão melhor...
E o amor precisa (e merece) ser cuidado, estimulado, desejado.
É atemporal. É delicioso.
E dá trabalho! Dá muito trabalho.
Porque morre no descuido, na preguiça, na maldita certeza do amanhã e, sobretudo, na indiferença branda que muita gente gosta de confundir com ‘efeitos do tempo’.

Não acredito nisso.
Dê àquele casal novos parceiros... e duvido que ele andasse tão à frente dela, ou que ela nem respondesse mais às perguntas dele.

O amor é uma das melhores coisas do mundo, mas não aceita indiferença.
Nela, morre.
Morre.

Solange Maia