terça-feira, 7 de novembro de 2017

Como medir a morte? Medindo a vida!

Em dois minutos estava acolhida em meu peito, quietinha.
Cabelos cheirosos e a pele feita de delicadezas como só as meninas daquela idade têm.
Tínhamos um pequeno deserto a atravessar, mas houve tempo para que ela escolhesse begônias. Vermelhas.
Escolheu as flores intuitivamente, sem que soubesse que representam lealdade e afeto.

O domingo amanheceu ensolarado e frio, o lugar era singelo e não havia nada por toda parte, no entanto a ausência da mãe preenchia tudo. A morte sempre me faz pensar. Sua irreversibilidade é perturbadora.
Mas ali, com a pequena, seu pai, uma antiga professora e nós dois, só o que vinha à minha cabeça era a vida.
Era a vida que devíamos contabilizar.

Percebo que tiveram grandes momentos, fizeram bons amigos, deram e tiveram colo, encontros surpreendentes, família à mesa, confessaram segredos, descobriram coisas juntas e, com certeza, riram a beça! Esta era a mãe da menina, a mãe da qual ela jamais vai partir.
Peço a Deus, portanto, que os pensamentos dela guardem essas alegrias, e que, quase nunca, quase nunca mesmo, ela pense na vida potencialmente perdida.

A despedida é sempre dura, eu sei, mas que tenhamos sabedoria para perceber que ela é somente uma camada externa dolorida, mas muito fina, que recobre temporariamente toda a imensidão de vida que houve por trás daqueles poucos instantes como os que vivemos hoje cedo.
Às vezes, a vida pode estar reduzida em relação ao que esperamos em termo de longevidade, mas como dizia Ronaldo Cunha Lima, “ela deve ser medida pela largura, nunca pelo comprimento”.

Ainda em silêncio demos as mãos e deixamos a morte de lado. O que celebramos ali, com as begônias vermelhas, foi a vida. A vida que ela teve, e a que a pequena menina ainda terá!
Sussurrei no ouvido dela que desejos de mãe são sagrados e que tem muita força.
Ela sorriu e entendeu que tudo o que a mãe desejaria é que ela sentisse que a vida começava mais uma vez ali, exatamente naquele momento.

E que, certamente, ela será uma menina muito, muito feliz.

Solange Maia

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

não preciso mais...

50 anos e começo a sentir preguiça de gente que rebusca as palavras.
Fazem-me lembrar de um professor de Penal: embora mestre em eloquência e em brocardos jurídicos, seu estado era sempre o mesmo: in absentia. Toc-toc? Não adiantava, não tinha ninguém.
Bons em discursos e em conversas solenes. Polidos, vaidosos, gostam mesmo é de se sentir ‘engajados’ nesta ou naquela causa. Falam, falam, falam. Sentem-se grandiosos, mas só o que vejo é um enorme vazio.
Estranhamente aprendo o silêncio com eles.
Minha alma quer ter tempo de olhar para o céu.

Ando querendo despir camadas e mais camadas.
Quero o que tem lá dentro.
Quero ‘desprecisar’.
Desprender.
Ter a coragem da nudez constante.

Quero fazer como contou Manoel de Barros:
tirar a roupa de manhã e acender o mar...

Palavras bonitas? Fico nua delas também.
Estou mais gesto.

Solange Maia