domingo, 29 de janeiro de 2012

sou de barro...

Não ache que você consegue me entender com meia hora de prosa.
Sou tal qual moringa d’água.
Simples à primeira vista, como uma boa cerâmica, mas quem me vê assim, só querendo matar a sede, só de passagem, não faz idéia da trajetória do meu barro, nem das tantas vezes que desejei mudar o meu destino.
Sou a contra-história, o anti-herói, estou além da superfície. Sou as mãos que me moldaram, as infindas voltas no torno em busca da forma ideal, a descoberta de que não existe forma ideal, sou os fragmentos indesejáveis que foram ficando pelo caminho, os que ainda carrego comigo, sou o que seca devagar, no tempo, o que desidrata, encolhe, retrai, sou o que finalmente amadurece, o menos quebrável, menos frágil. Sou a antítese, o que estatela, o que fragmenta, o contrário, o que acolhe, o que reserva...
Sou o som seco, o estampido, a percussão. Sou a música do Uirapuru, sou a orquestra de barro.
Sou exposta ao tempo, sou o ar que contenho, a água que conservo, o fogo que me endurece, a terra de onde vim...

Não ache que olhos que só têm sede vão me ganhar.
Sou de quem me decifra.
E não sou uma só.
Sou tantas...
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sábado, 28 de janeiro de 2012

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

eu dou brecha para a dor...

Eu dou brecha para a dor.
É que às vezes, tenho a impressão de que essa espera vai acabar, e de que tudo o que deveria ter sido, enfim será.
Passo, então, os dias cuidando desse “vir a ser”.
Até que acordo exausta e vejo que as minhas palavras ficaram surradas.
Pequenas.
E que a vida foi rasgando os instantes que foram nossos.

Então, para me salvar, desisto de você todos os dias.
E, mortificada, me apaixono de novo logo em seguida.

Mas busco o para sempre.
Porém, enquanto não consigo, silencio.
Um silêncio denso de tudo o que eu não sei contar...
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sábado, 21 de janeiro de 2012

a elegância da solidão...

O lugar era lindo, sofisticado, com luzes indiretas e muito bem decorado.
Ele um homem poderoso. Ela tirada de uma revista de moda.
Ele bem relacionado, protegido pelo anonimato falsamente desejado por todo jet set. Fala grave e segura, o olhar enviesado.
Ela engajada em causas sociais, sua terceira esposa, a mais bonita, e a mais jovem. Um sorriso branco, corpo impecável, o olhar oblíquo.
Juntos eram a caricatura do casal perfeito.
Um vinho caro, o bom jazz, faisão e creme de queijo gruyère.
Eles sorriam.
Sorriam quase que ininterruptamente, esforçando-se para que, nem ele e nem ela, percebessem que a noite era linda, a atmosfera perfeita, mas não tinham nada, absolutamente nada, a dizer um para o outro.
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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

das "não" perguntas...

Aqui, junto à fronteira, as folhas caem.
E apesar de você estar tão longe,
há sempre duas xícaras na mesa.
Dinastia Tang


Enquanto ouço a bela música, esta e as outras todas que você me apresenta, o mundo continua a girar...  Barulhinhos vindos da sala, uma coruja piando alto, carros lá fora, um ou outro vizinho deixando uma porta bater... e eu tão dentro da canção, tão absorta... Só há espaço para um pensamento leve, quase onírico, desses que me fazem querer descobrir como será o amanhã, como será que você entende o vale que há entre nós, como será que o tempo te atravessa... como, como, como ?
Faço perguntas, mas nem sei se realmente quero as respostas. Talvez nem sejam mesmo perguntas.
Talvez seja só o lugar para onde a música me leva.

Porque as vezes, o que importa, só a matemática sabe explicar. É, simples assim.
Você me contém.
E está contido.
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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

de quando é preciso não "pensar"...

Em dias lindos, de momentos simples, e sagrados, como diante de um beijo esperado, ou inesperado, da vista de uma ave solitária rasgando o céu, de uma música percebida ao longe, do vento ondulando a saia da menina que atravessa a rua, devia haver um enorme aviso de “PARE”.
Devíamos contemplar. Intensamente. Deixar o instante entrar... sim, porque tudo é tão finito, e tão absolutamente fugaz. Cada momento desses é irrepetível.
Absorve-o todo. Veja... sinta. Há motivos o bastante para se permitir esse presente.
Diante desses pequenos milagres : não pense.
Não.
Não cometa esse pecado.
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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

de quem é livre...

(foto clicada ontem)

De vez em quando a vida me provoca.
Esfrega-me na cara minha incompletude, minha incompetência.

O homem ali, na areia úmida, espiava o mar e cantava baixinho. Um la-la-ra-lá...
Preso numa cadeira de rodas, e livre naquela contemplação, no ar, no vento que lhe lambia o peito nu.
Solto...
E eu presa.

Ele era seu próprio motivo para estar feliz.
E era lindo.
Eu o amaria.
Fácil.

sábado, 14 de janeiro de 2012

porque nudez é outra coisa...

A gente parece que precisa mesmo se cobrir. Não suportamos a nudez. Escolhemos um teto, um muro, um casaco, uma máscara.
Qualquer coisa que nos distraia. Afastamo-nos para dentro desse mundo imaginário de proteção, e nem sei se conseguimos mais voltar.

É que nudez exige coragem.
Uma mulher sem roupa numa revista não está nua. Não.
Corpos despidos, diante um do outro, não significam nudez.
Quase sempre são só lindos desertos querendo impor seus oásis de redenção. E ali, não existem.

Porque nudez é outra coisa.
Nudez é o exercício do abandono, a exposição desprotegida dos nossos pontos mais sensíveis, a confissão dos segredos mais velados, a janela das nossas falhas...
Nudez é despertencer.
E é tão difícil.
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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

daqui prá fora...

Hoje sou só vontade de felicidade.
Ando mulher até nas mínimas coisas.
É que você toca em mim sempre o mais bonito, e vou me desarmando, me derretendo...
Mas talvez um dia essa história linda passe, e aí então eu volte a ser aquela mulher impermeável, que quase nem lembro, mas que sei que só se deixa tocar daqui prá fora.
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sábado, 7 de janeiro de 2012

do que melhora a gente...

Alterar o ângulo, e olhar para a mesma historia, tem me feito um bem danado. Desde nova tenho a vida marcada por tantas histórias profundas, talvez como todo mundo, mas tive aqueles momentos de achar que meu sofrimento era realmente maior do que eu merecia.
E tive pena de mim. Fui de vítima a mártir por conta do meu senso estético, mas não saí do limbo emocional.
Até que aprendi a rir de mim mesma.
De mim e das minhas histórias, que não deixavam de ser as histórias de todo mundo. Rir com carinho e com respeito, sem deboche, nem ironia.
Mas rir. Rir com gosto e com vontade. Porque há sempre uma solução possível, sempre um modo de tornar as coisas mais leves.
Cansei de usar o vestidinho rosa pálido da princesa presa na torre alta do castelo da autopiedade. Não há nada mais paralisante.
Afinal, há sempre escolha, e uma superação bonita pode estar nos esperando bem ali, no próximo instante... é aquela velha historia de que ninguém recebe o frio maior que o cobertor. Então, apurar o senso de humor, aliado a um sorriso vasto, é o passaporte tão desejado.
Nos leva de vitimas a heróis da nossa própria historia.
E melhora muito a gente...
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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

do que me abre...

Minha boca sobre a tua boca era tão vasta.
Teu corpo sob o meu corpo era tão vulnerável, tão passível de ser erotizado.
E ali, no entorno, uma fumaça linda desenhava elipses no ar.
Nem sei mais como começamos.

Só sei que aquela desordem íntima era o pecado que eu precisava.
Cada parte tua, bem tocada, era a chave de um cadeado de desejos.
E eu, tonta, já nem era mais um jardim secreto.
Era toda tua, nua, um campo aberto para os nossos sonhos.

Com você sou tão permissiva, sou tantas.
Sou dos prazeres, das intenções e tentações. Da cama, do céu, e do chão. É que teu corpo é um mistério que eu preciso sentir em mim.
Por isso gasto todas as minhas horas em você.

Até que amanheço com teu gosto na boca,
e deixo um beijo pousado na tua virilha.
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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

um conto que te conta...

Quando pequena, a menina morava no sertão. Ela, e oito irmãos. Uma miséria. O pai era tocador de gado, e passou os dias levando-os de um pasto a outro. Na verdade passou os anos, passou a vida. Mas criou seus filhos.
E bonito não era só isso. Bonito era o que o pai fazia quando voltava para casa, toda noite, num ritual sagrado. Saltava do cavalo fazendo poeira, atrelava-o à cerca ao lado do alpendre, sujo e cansado, e assoviava forte até que as crianças viessem todas. Só depois de conferir os nove, tirava a capa dos ombros, que o protegia do sol, e a rodava com as mãos, jogando-a sobre o chão de terra batida em frente à pequena casa de pau-a-pique, num gesto mágico. A capa, misteriosamente, caia sempre aberta, e as crianças amontoavam-se nela, sentadas bem próximas umas das outras. Era o instante que fazia valer os dias. O pai começava então a contar histórias...
Contava sobre o cangaço, sobre o coro de anjos que os vaqueiros ouviam em dias sem lua, sobre o caipora, sobre a terra, sobre seus acontecimentos...

A menina nunca se esqueceu daqueles momentos.
E as histórias passaram a morar nela.
Muito tempo passou.
Sem a capa e sem o sertão, sem saber das letras ou das poesias, a menina começou a contar a vida, e era tanta, e com tanta riqueza, que melhorava toda gente que a ouvia.

E, curiosamente, ela estava ali... ao meu lado, sentada no chão de um teatro fazendo um curso para aprender a ser uma Contadora de Histórias.
Mas, como ensinar a alguém o ofício que já exercia, e tão divinamente ? Como ?
Talvez contando um conto em que ela fosse contada.
Mas só talvez.
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domingo, 1 de janeiro de 2012

premissa para o novo ano...

O amor quer ser acolhido.
Finalmente reconheço.
Mas a coisa não é tão fácil assim.

O amor faz fila dentro da gente, querendo ser sentido, mas a gente disfarça, muda o foco, pula essa parte... porque amar nos torna absurdamente vulneráveis, e pode ser um erro se não for correspondido, e durar pouco e deixar a gente arrebentada depois, pode ser só tesão disfarçado, desse que quebra fácil, ou pode ser uma invenção bonita da nossa cabeça...
O fato é que a gente racionaliza o amor.
E assim ele dificilmente acontece.
Tão obvio e tão dubitável.

Porque o amor precisa de abrigo.
Quer ser protegido.
Começo o ano, então, com uma premissa :
O amor precisa de um crédito.
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