quarta-feira, 29 de agosto de 2012

não conta prá ninguém...


Então encolhi os ombros e suspirei.
Contei a ele o meu segredo.
Não era fácil falar assim, tão francamente, mas queria muito seguir adiante, e precisava romper com aquele ciclo carimbado de desconfiança que me habitava, precisava deixar que amanhecesse...

Desde muito nova cuido prá que ser feliz dê certo, 
mas uma coisa é fato : sou a soma das minhas perdas, 
e de tudo o que me falta.
Agora ele já sabe.
Também sou as minhas subtrações.
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domingo, 26 de agosto de 2012

então eu menti...


Sobre a cama uma porção de livros esparramados.
Ele escolhia, e eu lia.

Estranho... era sempre ao lado dele que me lembrava
que saudade é ser metade. E, de repente, senti alguns vazios tão solidamente, que esqueci a voz.
Ele interrompeu o meu silêncio pedindo mais um poema.

Abri um livro qualquer, mas daquela vez não li.
Menti.
Menti uma poesia.
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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

do tamanho do Vale do Paraíba...


Aquela coisa toda me dava vontade de estender a mão e tocá-lo.
Mas não era o momento, havia ainda um Vale imenso nesse intervalo entre a mão e a pele.
É que de vez em quando ele me colocava bem em frente aos seus olhos, para que eu pudesse vê-lo lá dentro, e aí eu esquecia aquele nosso desvelar delicado e ficava pensando só em bobagens. Ficava querendo desabotoar o vestido, trançar as pernas nas dele e não falar mais nada, porque às vezes é assim que converso, é assim explico todos os meus caminhos.
Mas, não.
Agora não.
Com ele quero o Vale inteiro.
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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

foi a gota d'água...

A chuva escorria pela vidraça.
Os pingos descobriam seus pares e partiam.
Imersos neles mesmos.

Alguns não.

Alguns pingos eram solitários,
não saíam do lugar.
Para eles, a solidão era a gota d’água.
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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

às vezes preciso descansar das palavras...


Às vezes preciso descansar das palavras.
Preciso usar as mãos...
São horas de tocar, de perceber tantas coisas que só o tato é capaz. Preciso dialogar com a pele, esquecer esse abstrato flutuante das letras.
Tenho as mãos soltas, que independem do corpo, que estão vivas, e tem horas que elas se elevam furiosas, noutras são feitas só de afagos.
Em alguns dias elas são cansadas e perdem o desejo, noutras são fome, fogo, flerte, fúria...
Minhas mãos são um delta.
Delas corre minh’alma que quer tanto tocar em outra.
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terça-feira, 14 de agosto de 2012

nunca estou sozinha...


Sou tanta gente.
É que ninguém passa por mim de forma indiferente.
Nunca mais sou a mesma depois de um encontro, seja ele qual for, que dure só um instante, ou uma eternidade.

Viro essas histórias misturadas,
o caminho dos outros fundido aos meus,
esse emaranhado de vida que fica colada à minha pele.
Sou as lições de tanta gente.

Sendo assim, nunca estou sozinha.
Sou Solange,
e sou feita de uma multidão.
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sábado, 11 de agosto de 2012

eu faria tudo que você quisesse...


Tenho tido tantos pensamentos nus...
É que a madrugada possui uma carga semântica de erotismo que é reforçada por aquele estado de quase sono, e é justo nesse instante, quando eu “baixo a guarda”, quando paro de pensar, é aí que escorrem de mim as palavras curvilíneas do desejo.
É quando lembro que o sexo tem a bondade de nos livrar de qualquer preocupação.
Quando quero atravessar o portal que me leva prá dentro do teu corpo, quando fico irrestrita, ilimitada.
São meus pensamentos pornográficos que suscitam os afetos, ou são os afetos que me levam a este desalinho ?
Não sei, só sei que vou me desmanchando, até que reste só a mulher.
E nesse instante sou só fêmea, e confesso : 
faria tudo que você quisesse.
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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

não existe explicação...


Um dia a gente se pega sentado na calçada da frente de casa com a chave do que seria o nosso futuro nas mãos.
Olha prá ela e já nem sabe o que fazer. Tantos planos, tantos sonhos, e, de repente: mais nada.
Então começa a doer.
Dói pensar no tanto de tempo que a gente investiu acreditando naquela relação e nos doando.
E aí a gente passa dias procurando duas ou três respostas que façam sentido, que nos permitam entender porque arriscamos tanto, porque acreditamos tanto...
Mas não existe explicação.
E no fundo, a gente nem precisa dela.
No fundo, o que a gente quer mesmo é voltar a ser feliz, e geralmente não percebe que a felicidade é justo esse instante em que descobrimos que a despeito de restar ainda um gosto amargo na boca, há um sonho novo esperando por nós.
E sofremos com isso.

- Sofremos é passado ?
- É. É passado e é fodido.

Mas até o passado, passa.
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domingo, 5 de agosto de 2012

o dia seguinte...

...
Você me telefona, diz que está nu, e me distrai de todo o resto. 
Enquanto ouço as tuas palavras tiro a roupa também... e penso em todas as coisas boas que a nudez proporciona.
O outro. É isso que a nudez oferece. Escancaradamente.
E não deve existir coisa melhor.
Escolho uma musiquinha chill out e fecho os olhos. Mordo o lábio inferior e esboço um sorriso só na curva do canto do rosto.
Tua nudez deixa a atmosfera tão flutuante que já nem sei onde você começa e onde termina essa neblina que deixa o meu olhar um tanto tonto. Abro os olhos só prá conferir, e quase posso ver a cama desfeita, numa desordem que desequilibra o único risco do sol sobre os lençóis. Ainda sinto o cheiro de fruta dos gomos da tua boca.
Posso sentir o afago do teu corpo abandonado sobre o meu...
Posso ouvir o gemido, e já nem lembro se era o meu, o teu, ou se era da música que incendiava o ar.
Pouco importa, agora o tato é pouco.
A vontade que tenho é de lamber as tuas mãos, ou qualquer outra ternura que me funda a você.
Meu coração improvisa um suspiro, e posso até fingir que não amanheço atravessada por tua ausência.
É que eu nunca sei existir no dia seguinte.
...
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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

o ciclo da solidão...

Ele era feito para amar e zarpar.
Como as paixões que duram só uma tarde, ou, com sorte, um pouco mais.
Nada lhe bastava, nem tampouco uma possível alegria.
Partia sempre como quem se despede de mais um erro na sua vida cheia de esconderijos.
A alma de cicatrizes lhe punha sempre com pressa. Assim, doía menos. Era feito de janelas e portas, todas trancadas, mas com as chaves expostas. Não sabia se curar dessa indisciplina diante das relações.
Justificava sorrindo, e dizendo que adorava o ciclo da sedução.

Mas faltavam-lhe forças quando queria ser quem realmente era, então fazia esse personagem e fingia indiferença.
Depois morria.

O ciclo era outro.
Era o da solidão.
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