domingo, 29 de abril de 2012

fêmea faminta

Dirijo pela tarde cinzenta com uma urgência secreta.
Entro num café. Peço um expresso duplo e um maço de cigarros.
Eu não fumo.
Pouco importa, preciso de alguma referência adulta.
É que, desde que mudei minha vida, tenho sido muito mais mãe do que mulher. Tenho estado tantas vezes dentro da vida dela, e fora da minha, que já nem sei se lembro de alguma coisa imprópria e gostosa, dessas indecenciazinhas que me lembrem da idade que tenho.
Não me encaixo no papel de fêmea faminta, não é isso, mas sou dos versos ariscos, das palavras voluptuosas, lascivas, sou da inquietação que sobe como serpente pelas minhas pernas, lânguida, invadindo cada poro, cada vão, afinal, preciso ser olhada como mulher.
Brinco com o isqueiro em minhas mãos.
Ando tão sensorial, tão complicada...
Ajeito o casaco meio fora de moda e lembro que uma coisa é fato: minhas roupas combinam muito mais no chão.
Pronto.
Acendi o fogo.
.

sábado, 28 de abril de 2012

sacanagenzinha...

O xadrez, um jogo delicioso, por Deus !
Imagem da anarquia, onde a rainha come o peão,
o peão come o bispo, o bispo come o cavalo,
o cavalo come a rainha, e todos comem a todos.
(em 1894, Machado de Assis)


uma tarde fosca, o ar cheio de densidade, e um sofá azul.
você sentado displicente, me olhando enviesado, fazendo cena, mas me estendendo a mão.
eu, disfarçando um sorriso, mordendo os lábios meio sem jeito, mas alcançando os teus dedos.
assim que os toco, você nem pensa, trança as tuas pernas nas minhas, o teu pé sobre o meu.
só isso.

e se fosse outra pessoa, outro tempo, outro lugar, não teria sido nada.
mas éramos nós.
sabíamos passar do frio ao fogo em dois segundos.

você chegando mais perto e arriscando um beijo.
e nessa hora éramos mãos, pés, beijo, boca e desejo, passeando um no outro, e durando tão pouco.
só isso.

mas, se aquilo era um jogo, saí do sofá satisfeita.
trouxe comigo um daqueles sorrisos de quem comeu o primeiro peão do xadrez...
.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

desconcertante...

Anoiteceu e da janela de casa avistei um céu imenso e belo. Uma sensação tola de bem estar, de “descompromisso”, um desejo de vento, um fechar de olhos. Saí no terraço seguindo meus instintos, nenhum pensamento. Uma brisa leve me fez arrepiar. Tirei os sapatos. Um contemplar silencioso, uma comunhão, e, de repente, uma sensação de respeito pela vida, um bem querer, uma leveza. Tirei a blusa. Abri os braços e inspirei devagarzinho o ar do mundo. Tirei o resto da roupa. Agora éramos só eu e a noite. E éramos tão grandes, e tão entregues.
Mas duramos só um instante.
É, a felicidade é de uma simplicidade desconcertante.


(fotografei o instante, não resisti...)

domingo, 22 de abril de 2012

eu não estou...

Daqui a pouco você tem 50 anos, e logo 60, e vai olhar para a vida dos outros tentando entender quando foi que escolheu essa estrada que o trouxe até aqui, vai querer saber onde foi que largou a chance de ter tido a sua própria historia, dessas comuns mesmo, com casa, filhos, férias. Vai querer entender porque suas paixões nunca duraram, porque toda atração foi tão passageira, porque não deixou nenhuma relação amadurecer, e, sobretudo, porque nunca abriu seu coração.
Vai lembrar-se do seu discursinho barato e repetitivo, de que quem não arrisca, não petisca, porque no fundo, você sempre achou que iria encontrar alguém melhor, e mais perfeito, e mais bonito, mais bem sucedido, e mais qualquer outra coisa tola de quem não sabe ficar.
Mas hoje, seus olhos vazios quase gritam por aconchego.
Você bate na minha porta, e eu nem me mexo.
Não estou. Não quero estar.
E isso te assusta. Você chama o garçom e pede a conta.
Não, você não quer a sobremesa.
Sabe que não pode perder mais nem um segundo da sua vida.
.

terça-feira, 17 de abril de 2012

das levezas que poucos vêem...

Sempre gostei mais da embalagem do que do presente, do bilhete do que da lembrança, da dedicatória do que do livro...
Gosto daquilo que não se vê. Ou sim (eu vejo). Da atmosfera, do entorno, das palavras não ditas.
Reajo epidermicamente às entrelinhas...

Gosto daquilo que esteve entre nós, que já havia saído de ti, e que ainda não tinha chegado a mim, do que deixou o ar denso, que morou nas sutilezas, e que, embora tivesse durado só um instante, ínfimo, mínimo, tornou o momento lindo e eterno.
Você esteve bonito naquela noite. O olhar triste, como sempre. Acho que nunca consegui pousar o olhar em alguém que não tivesse o olhar triste. Mas tinha um sorriso honesto, e uma leveza que não era discurso. Era comportamento.
.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

ninguém é sério aos 45 anos...

Sinto agora, de maneira plena, algo que costumo negar : a solidão.
Aquela que pode nutrir, ou que pode cortar.
Mas que vale a pena.
Vale como a própria vida, que nem sempre tem que ser sorvida a dois.

Sinto o distanciamento, e todas as coisas que ficaram pendentes.
E a verdade é que não me importo mais.

Se hoje eu danço nua, se brinco com os sentimentos, se afago as palavras que me protegem e também as que me machucam, vá lá ! Hoje vale tudo !
Afinal de contas, meti as caras, e depois de amanhã faço 45 anos !
.

(plagio carinhosamente o sub-título da sua postagem, Paulo Genz...
e, consequentemente Arthur Rimbaud )

sábado, 7 de abril de 2012

do meu canto preferido...

É ali, no canto ocre do sofá da sala, encostado à janela, que me sinto em casa. É ali o meu canto preferido pra passar as horas, então acho que posso dizer que aquele é o meu lugar.
Porque o “meu lugar” nada mais é do que um hábito muito repetido.

Assim como só posso dizer que aquela pedra na margem do rio é o meu lugar se nela estive um quanto de vezes repetidas. E que aquela cidade de ruas de areia, de paisagens impressas em mim desde a mais tenra infância,
é o meu lugar, se dali conheço até o indizível...

Mas, mais do que o sofá, a pedra, ou a cidade, ando habitando pessoas. Como se fossem meu canto preferido,
ou um espaço que gosto muito.
Sim. Tem gente que é o meu lugar preferido no mundo.
Muito mais do que as coisas.
.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

de quem tem o sol em Áries...

Invasão de espaço é exatamente aquilo que preciso.
Às vezes as levezas cansam, e preciso mesmo é de falta de ar.
Os discursos também cansam. Troco por mãos que me percorram.
É que tenho tido tantos pensamentos lascivos.
Eu e esses meus desejos de quem tem o sol em Áries.

Meu coração improvisa suspiros e pausas, formas e fatos, provocações ou dengos. Porque todo encanto é bom, mas uma hora precisa de um colchão macio.

E sou mulher que gosta dessas verdades chapadas na cara, e do eco delas no dia seguinte.
Quero ser invadida.
São 3h30 da manhã, não há mais nada a perder...
.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

o vazio está sempre cheio...


Não sei crescer sozinha.
Na verdade acho que nem dá. É no outro que me repenso. Mesmo quando o outro nem me vê, mesmo quando sou só um parêntese, um fragmento, um abandono.
Porque o vazio está sempre cheio.
A pele sente o amor, e meus olhos sabem ler um encontro.

Quando acontece isso, penso nos pares que busquei para mim, nas coisas que me emocionam, que me transformam...
O mundo anda tão seco de mel.
E eu gosto tanto desses pequenos movimentos que mudam tudo. Tem dias que são intensos, afetuosos, difíceis... perpétuos.
Tem dias que duram na gente...
.