segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

história ou estória ? ...para meu leitor anônimo

E que fique muito mal explicado.
Não faço força para ser entendido.
Quem faz sentido é soldado...
Mario Quintana

Minha última postagem me ofereceu uma rara oportunidade. A de confessar, como diz meu namorado, que sou muito melhor fotógrafa do que escritora.
Não dou às palavras uma forma manejável, não as limpo. Não estou atrás de prêmios literários.
Escrevo o que sinto, a respeito do que quero. Não sou presa a regras, tendências ou métricas. Sou em primeira pessoa, em segunda, me escondo, sou tantas. Sou metáforas, prosa, poesia, versos, contos e cantos. Sou verdade, e sou mentira.
Escrever me faz sorrir.

Que importância então, poderia ter, saber se o que escrevo são histórias ou estórias ?
Agarro-me humildemente à definição de que a palavra estória não tem respaldo etimológico algum, anda em desuso, e gosto da idéia de que estamos na era da abrangência. Nada deveria ser absoluto, fechado em quadrados, endurecido ou cerceado. Então, sinto muito, mas toda estória é uma história.

Perdoe-me querido leitor, se tem achado que apresento tanta coisa desconexa ou sem sentido. Sinto muito por deixá-lo tão confuso, sem saber se escrevo meus reais sentimentos, aqueles que vêm de dentro, ou se é tudo material literário.
Só o que posso dizer é que é tudo sentimento, então tudo vem de dentro. Este é o material do qual sou feita.
É que, para mim, escrever trata de realidade, mesmo na ficção.
E a verdade, tão absolutamente relativa, deve ser medida por quem a escreve, e também por quem a lê... como naquele dito popular que nos lembra que existem sempre três verdades : a minha, a sua, e a verdadeira.
Não quero eleger nenhuma.
Prefiro continuar livre.

Então, caro leitor, se te incomodo tanto, lamento.
Lamento ainda mais porque diz que não me reconhece.
É que estou amando.
Nem mesmo eu me reconheço mais.

Tenho investido meu tempo em viver.
Perdoe-me mais uma vez, já confessei : sou melhor fotógrafa.
E escrever tem sido isso. 
Só fotografar.
Solange Maia

strip-tease...

Nenhuma vela acesa, nem música do Joe Cocker ou cinta-liga.
O rosto levemente cansado, a maquiagem gasta pelo dia, a luz acesa.
Sem truques de sedução.
Foi assim que aconteceu.

Amar dava um medo danado.
Mas teus olhos foram desabotoando os fios da minha fala.
Fui contando de todas as coisas que, definitivamente, ficavam pequenas diante de ti.
Sei que não gosta que eu fale isso, mas é fato, nenhuma história foi tão grande. Nenhum personagem.
Nossa intimidade descobrindo o último pano que calava o meu corpo. Tudo ali.
E, embora amar desse um medo danado, mesmo assim eu confessava : meu único amor é você. Desde sempre.
Tudo posto.
Tudo seu.

Mas o amor é deliciosamente benigno.
E a vida é curta.
Então vem logo, vem beijar minha boca.
E dane-se todo o resto...

Solange Maia

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

taraguela...

Taraguela.
Acho que é a única palavra errada que restou. 
Ta-ga-re-la, corrijo sorrindo, sem vontade alguma de consertar essa 'meninice' que restou. Tagarela é o que ela é. Menina falante, 'conversadeira', expansiva... mas sabe, sim, sabe ouvir. E adora. Ouve demoradamente. Se interessa pelas histórias, pelas pessoas e pela vida. 
É surpreendente como tem um olhar terno sobre todas as coisas, como sua persuasão é sempre afetiva, como sua fala é a de uma criança, mas tem sempre uma inquietação adulta, uma sede, uma fome...
Bebela quer mais.
É ampla, plural.
Bebela é presente dos céus.
Há 10 anos ta-ra-gue-lan-do doçuras por onde vai.
Feliz aniversário, amor !
Te amo tanto...

Mamãe

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

o cardápio que quero sempre...

Velas, vento, vinho, volúpia... é o cardápio de hoje.
Música, pele, pelo, pedido, abrigo, lençóis, sussurros, silêncios, segredos, bocas, beijos, suspiros. Cama, mesa e chão. Fêmea, fome, fenda, fundo. Respiração, pernas, dorso, nuca e mão. Ninho, névoa, água, gel. Língua, suor, curva, tremor, calor. Frio. Frente. Verso. Poesia. Crua e nua. Olhos, arrepios, close, so, so close... Luz, escuridão, tato, olfato, degustação. Tesão. Amor. Paixão. Delicadeza e palavrão. Repetição.
Tudo. absolutamente tudo.
Dentro. Fora. Dentro.
Tanto, tanto, tanto...
Tudo leve, tudo posto, tudo nosso.
O presente é a gente.
Você me dá sorte !
Também te amo.
Também te como.
Também te devoro.

Solange Maia

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

se Sartre estava certo...

porque eu te amo, MB...
e porque é assim que me sinto livre,
estando ao seu lado.

A menina queria alguém que conduzisse a carruagem.
Queria descansar.
Parar um pouco de tentar ser sempre tão corajosa.
Queria alguém que quisesse as mesmas coisas que ela, e achava que eram coisas tão simples, como alguém que entrelaçasse os dedos aos seus enquanto lhe desse as mãos, alguém que dissesse 'eu quero estar aqui, porque te amo, porque reconheço a imensidão e a raridade do que temos, mas, sobretudo, porque é assim que me sinto livre, estando ao seu lado'.

A menina queria ser cuidada.
Queria não ter que fingir o tempo todo que era forte, muito forte, e madura, muito madura.
A menina era só uma menina.
E torcia para que ele percebesse.
Urgentemente.

É que às vezes a gente sucumbe. Desaba mesmo. Como se todas as bênçãos não segurassem a lágrima gorda que insiste em pesar na pálpebra. Sente medo. E chora. A gente chora as histórias de uma vida inteira. E deseja um colo que dure.
A menina parecia tola, mas Sartre também era.
Se ele estava certo, 'fomos sim, condenados à liberdade'.
E ao peso de poder escolher.
Condenados.

Solange Maia

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

alegria vem por acaso... já dizia Lacan

Já se passaram quase 4 anos desde o dia em que esse cartão postal aí em cima (foto) chegou dentro de um envelope para mim. Nâna Pessoa me enviou. Junto com outros doces mimos. Mal sabia ela que esse sorriso, tão simples e tão surpreendentemente emblemático, seria tão importante pra mim. É que ele, o sorriso (sobretudo o sorriso com o olhar), virou um símbolo, uma brincadeira entre minhas irmãs e eu. É que achamos a menina retratada dona de uma alegria tão ‘de verdade’ que prometemos guardar a imagem e enviar uma para a outra somente no dia em que vivêssemos algum episódio que justificasse uma alegria dessas dentro da gente.
Desde então, ter esse postal enviado ou publicado seria o mesmo que dizer : - Manas, sabem aquela ‘alegria de verdade’ ? A supreendente ? A da menininha do postal ? Pois é, ela está aqui, bem agora, comigo.
E teríamos algo a brindar !

Cumprimos a promessa. A menina do cartão postal ficou guardada esperando tal momento.
Não que não tivéssemos tido alegrias. Tivemos. Muitas. Alegrias cotidianas, pequenos presentes, momentos mágicos, mas confesso, nada que justificasse tirar da gaveta da memória nossa doce menina sorridente.
Até ontem.
Ontem, quando me olhei no espelho escovando os dentes, a menina estava lá. Reconheci na hora.
Meus olhos transbordando uma ‘alegria de verdade’.
E alegrias de verdade são surpreendentemente simples.

Não podem ser metas, porque não são um destino a se chegar, agora eu sei. Escondem-se no caminho, e correr atrás seria o mesmo que correr atrás do vento, ele nunca está lá. Alegria é mistério do instante, é fugaz, pertence ao agora.
E vem por acaso...

Olhei no espelho mais uma vez, já com os dentes escovadas, e era óbvio : estava feliz.

É, Nâna, estou feliz.
Estupidamente feliz.
Como a menina do postal.
E reconheço na minha felicidade o quanto a alegria é poderosa.
Embora sutil e discreta.
Como a poesia que vejo numa maçã.


 Solange Maia

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

me leve para onde bem entender...

Não há porque cortar caminho.
Não há porque ir direto à linha de chegada.
Sei agora que no amor beija-se com o corpo todo, na contramão da pressa. Cuida-se para que nada escape ao olhar.
São assim os passeios que temos feito um no outro.
Nenhum dos nossos sentidos está dormente, tudo vibra, tudo comunga, tudo deseja.
Não temos uma única intenção no nosso amor, não é só sexo, nem só bocas, ou beijos, ou delicadeza, não é só coisa alguma. Somos plurais em nossos quereres, desejamos o caminho todo. Cada curva, cada fresta, cada vão.
Percorrer uma trilha demorada, fazer amor mesmo sem o ato, provocar excitação intensa, despertar desejos lentamente, perder o fôlego...
Somos feitos desses abraços cheios de segredos ao pé do ouvido, das vontades nunca antes confessadas, dos beijos infinitos, de conversas sérias e de conversas tolas, somos riso e bilhetinhos, somos flor, somos água, palavras e silêncios.
Você segura a minha mão, e no minuto seguinte puxa o meu cabelo. Somos tanta coisa.
Não damos ouvidos à pressa do resto do mundo, flertamos com a vida. Nosso beijo demora, sempre e muito, não sabemos o que é ‘selinho’, vergonha ou censura. A gente se dá. É fato. E gosta. É fato também.
É por isso que deixo que você me leve para onde bem entender.
Porque nosso caminho é mais importante que nosso destino.
Nossa companhia é mais importante que a geografia.
Muito mais.

Solange Maia

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

alguma coisa está muito errada...

Na menina bulímica no sofá, nos garotos que brincam com armas, no homem solitário que ninguém vê, na moça que está realizando a sétima cirurgia plástica, sem nunca ficar satisfeita, na pessoa que escolhe morrer, na que vê diferença na cor da pele, em quem come demais, em quem tem medo de Deus, em quem acredita nas próprias mentiras, em quem dá a mão para a culpa, na coragem que não vem, na buzina insistente e agressiva dos carros pela manhã, no cara que resolve no braço possíveis diferenças, em quem bate, e em quem apanha, no sequestro, no consumo, na droga, na tão descabida guerra, no dinheiro que mente comprar tudo, em quem decide, mas não vira a página, e em quem não sabe quando parar.
Na arte que ninguém vê, na música que ninguém ouve, no beijo que não demora, no amor que não se dá...
Na criança que não brinca, no adulto que não se entrega, no sexo sodomizado e não consentido.
Na soberba, na arrogância, e na indiferença.
Alguma coisa está muito errada na solidão.
Está, mas ainda assim, agradeço. 
Agradeço a bendita precariedade de todos nós, porque ela é baliza que indica prováveis caminhos.
Agradeço e torço para que nunca me falte o senso agudo da responsabilidade, porque sou eu quem faço essas escolhas. 
Sou eu quem traço os meus caminhos, 
e não quero nunca 'não ver'. 
Não quero nunca minha vida reduzida por falta de opções.
Sim, alguma coisa está muito errada, mas ainda assim, ainda assim, agradeço, afinal a gente ainda pode fazer escolhas.

Solange Maia


(imagem : fragmento vazio - pablo herrerias)

terça-feira, 4 de novembro de 2014

nem queria te contar...

Tenho te amado em silêncio também.
Verdade. Às vezes te amo assim, sem precisar te contar.
Te amo quando flagro aquele instante sutil em que morde o lábio inferior e sorri ao mesmo tempo, quando põe as duas mãos envolta do meu rosto, me olha demoradamente e só depois me beija, quando escova o cabelo, primeiro com a escova e depois com as mãos, quando fala todo empolgado sobre ferver durante sete dias e sete noites as folhas venenosas que farão a maniçoba. Te amo quando me conta que todos os dias beija o teu pai, quando leva semanas pensando num presente bem legal pra tua menina, quando funde todas as nossas músicas num único pendrive, e diz todo bobo que gosta mais das minhas, amo também quando me pede para levá-lo conosco seja onde for. Te amo quando me conta que deixou de ganhar a corrida mais importante da tua infância só para não atropelar uma menina, quando fala palavrões pra aumentar a força das suas exclamações, quando deitados recua o corpo pra me ver melhor, quando sorri de olhos fechados diante das minhas ‘experiências sensoriais’. Te amo todas as vezes que sussurra em meu ouvido “foi a primeira vez que fiz isso na vida”, e quando, em contrapartida, cheio de soberba se diz o melhor cara no teu negócio,  e depois ri. Te amo quando dormindo me puxa pra mais perto de ti, e quando põe uma camiseta qualquer em cima da luzinha da tv a cabo, só pra deixar o escuro ainda mais escuro. Te amo quando me conta dos teus quadrados, quando sorri ao ouvir minhas bobagens, e quando cuida dos meus 'medinhos' que nasceram depois que me apaixonei. Te amo quando descobre que agora sinto ciúmes, e sorri porque eu disse toda adulta que nem sabia o que era isso, e quando pede desculpas por me interromper, sendo que o faço vezes sem fim. Te amo quando me conta que gosta de comédias românticas, de Carpinejar, do meu bolo de chocolate, e, na verdade, de qualquer coisa doce, e qualquer bolo de chocolate, mas que não gosta de Ana Carolina, nem de pimentão. Te amo quando quer saber se fica mais bonito com gel ou sem gel, com barba ou sem barba, quando faz perguntas, muitas, quando procura respostas, quando encanta-se com frases, com palavras, e com silêncios. E, toda vez que você sorri, te amo ainda mais.
Não. Talvez eu não tenha te contado, talvez eu nem queira te contar, mas sei que você sabe... 
É que o meu silêncio 'guarda' a tua presença o tempo todo.
Mas o meu olhar não.

Solange Maia

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

LEGO

- Eu quero - escrevo.
- Eu vou - ele responde.
- Então vamos - finalizo.

Parece slogan de campanha publicitária. Mas não é.
É o amor brincando com a gente, cheio de intimidade. Um jeito nosso de dizer que temos quereres comuns e que estamos juntos, porque é exatamente assim que estamos : juntos.
E posso jurar que sei exatamente a cara que você faz ao ler e ao escrever essas palavras.
Assim como posso jurar que já sei a diferença da sua voz quando você está trabalhando, quando está com sono, ou quando quer me namorar. Sei como gosta que eu arranhe tuas costas, qual é o seu travesseiro preferido, o ponto da tua carne, as pintas no teu corpo, a planta do teu pé.
Sei das suas sobremesas favoritas, de todas as cores dos teus olhos, da espessura da tua barba cerrada, e das músicas que ama ouvir. Sei da sua ternura e também do seu perfeccionismo, sei da musculatura emocional que tem criado ultimamente, e dos desafios a que, corajosamente, se propõe. Sei que cuida de mim mesmo quando me acha muito, muito chata. Sei do frio que sente no pé, da temperatura que gosta da água, e da fome que sente pela vida.

Sei que temos tido muita sorte, mas sei, sobretudo, do tanto que temos cuidado da gente e do nosso amor.
Entra dia, sai dia... e assim temos construído nossa relação. Um amor calmo, quente, e feito pra durar.
Entra dia, sai dia... e você continua sendo minha pessoa favorita nesse mundo.
O lugar onde gosto de estar.

Tenho acreditado de novo. 
Temos nos dado novas chances. 
Temos nos divertido.
A verdade é que o mundo ficou bem mais bonito desde que você chegou, então sorrio e confesso, é impossível não dizer :
- Eu quero.
Irresistível não sorrir ao ouvir a resposta :
- Eu vou.

É, amor...
- Então vamos - finalizo.

Meu momento predileto ?
São tantos, mas nossa ‘conchinha’ na hora de dormir tem sido praticamente insuperável, tudo encaixa, como num LEGO, ele costuma dizer. Somos feitos de carinhos que não dormem, de abraços côncavos que nos permitem sonhar antes mesmo de dormir.
Temos construído
Solange Maia

domingo, 12 de outubro de 2014

in-fi-ni-ta-men-te maior...

O amor não força nada, ao contrário, ele abre caminho.
William P. Young
 
Há anos tenho falado sobre a vida e sobre o amor. 
Já escrevi antes sobre 'primeiras vezes', e sobre algumas pessoas especiais. Rotulei como 'grandiosas' muitas dessas experiências, porque sim, foram mesmo grandes momentos. 
Mas a vida, surpreendente que é, veio e me trouxe o novo, 
o in-fi-ni-ta-men-te maior, o inacreditavelmente mais bonito. 
E agora, que tudo foi redimensionado, só o que me vem à cabeça são as palavras de Clóvis de Barros Filho, numa entrevista que deu e que nunca mais me esqueci. Tenho-a gravada em meu celular, e ouço vezes sem fim, no trânsito, em casa, no escritório. Ele diz que devemos saber que "...estamos diante de um mundo extraordinariamente competente para nos entristecer, mas que, aqui e ali, esse mundo também é capaz de nos proporcionar grandes alegrias, grandes surpresas, e momentos que a gente nunca mais gostaria que acabassem. E são esses momentos que a gente ‘persegue’, que farão da vida, sempre alguma coisa digníssima de ser buscada, e fantástica de ser vivida."
Cheguei a duvidar dessa ‘grande alegria’, e dessa ‘grande surpresa’, mas agora, diante delas, e vivendo um desses momentos que eu gostaria que nunca acabasse, rendo-me.
Rendo-me completamente.
Rendo-me porque, de repente, sem planejamento algum, deixei você pegar na minha mão, e soube, naquele exato segundo, que você era a mão que eu havia esperado por tanto tempo.
Você foi a 'grande surpresa'.
E temos sido, desde então, essa 'grande alegria'.

E já não há mais verso. Nem prosa tampouco.
Não escolho mais as palavras.
Elas saem displicentes, indiferentes a mim. Já sabem o que querem contar.
Agora não escrevo mais para enfeitar a página.
Escrevo para enfeitar o nosso amor.
Para guardá-lo, para lermos juntos daqui a cem anos.
Escrevo porque preciso falar com você. Porque sinto saudade mesmo quando ainda está aqui, porque nosso querer não tem cabido só nos dias, só no tempo, só no agora.
Escrevo pra te fazer carinho, pra te alcançar nesse espaço mínimo antes de você chegar.
                                                                                            
E já não há mais verso. Nem prosa tampouco.
Já não escrevo palavras que alimentam o desejo, para que dele se alimentem depois. Nem faço poesias narrando incompletudes amorosas, em que amantes ora estão, oras não estão. Já não quero contar histórias de amores que se distanciaram, e que não se correspondem mais.
Já não vivo tentando lembrar qual era o gosto que faltava, o que não havia, ou onde doía.
Com você eu tenho tudo.
E, acredite, nem sabia que isso era possível.

Agora escrevo porque descobri que quero passar o resto da minha vida com você. E, porque desejo que o resto da minha vida comece o mais rápido possível.

Solange Maia

terça-feira, 30 de setembro de 2014

de joelhos...

Afundado entre as almofadas da sala vejo teus olhos fechando devagar ao mesmo tempo em que inspira mais ar do que precisa... desliza a mão pelo peito demorando na curva da nuca como se não percebesse que é assim que me despeço da menina tímida que mora em mim.
Sopra o ar, com o desejo atrelado à sua boca em “ó”, expira lânguida e lentamente, e assim acelera-me o pulso. Sinto a ventania que vem de dentro de você num espasmo orgânico e visceral.
Não tiro o olhar de ti enquanto afasto a tua roupa e passeio devagar por tua pele.
Arqueia o corpo e me encaixo no seu côncavo.
Abro mão de sussurros para que as palavras cheguem sonoras e quentes ao teu ouvido. 
Quero que escute que te desejo.
Escorrego no teu peito até cair de joelhos.
Quero que saiba que te desejo.
Meu cabelo faz sombra onde somos só um. Afasto para que me enxergue.
Quero que veja que te desejo.
E a esta altura somos só sentidos. Tudo exposto, e tudo dito.

Afundado entre as almofadas da sala você devia saber, mas acho que não sabe. É que se chegar mais perto, corre o risco de eu nunca mais te deixar partir.

Solange Maia

sábado, 27 de setembro de 2014

20 segundos de coragem...

'...e nada mais te prende aqui
dinheiro, grades ou palavras
partir, andar, eis que chega
não há como deter a alvorada'
PARTIR, ANDAR - Herbert Vianna

A malabarista no farol tem 9 anos. 10 talvez.
Chove.
As gotas deixam o rosto dela orvalhado, nem se nota o frio.
A menina tem um brilho que é quase um desdém. Uma ironia.
Joga as bolas para o alto, mas não desvia o olhar do moço que a observa de dentro do carro.
Sorri tão sutilmente que nem sei se ele vê, é só um canto da boca que mexe, e o corpo que brilha. Como brilha.

Tem quem pense que a menina não tem nada.
É magra, pálida, e talvez não devesse estar ali.
Mas a menina é livre, uma outsider corajosa, dona de um riso franco. Nada nela é óbvio, tudo está subentendido.

Os olhos são desconcertantes.
O moço do carro nunca se sentiu tão preso, tão pequeno, tão assustado.
E pensava no que tinha para oferecer. Moedas ?
O quanto valem diante dessa menina tão solta, dessa alma tão desalgemada, desses pés descalços ?
O moço, 'protegido' no carro, lembrou-se de um filme que contava a historia de Benjamin Mee, e de uma cena específica, belíssima, em que ele falava que “às vezes tudo que você precisa na vida é de 20 segundos de coragem extrema, 20 segundos de bravura insana...”, e que a partir daí tudo muda, tudo começa a acontecer.
É.
O mundo lhe dá milhões de razões para que você não mude, mas a malabarista no farol gritava o contrário.
Só quem se desprotege sente o sabor da liberdade.
E o moço foi outro pra casa.
Faltava-lhe ar.
Sabia agora o que tinha quase esquecido...
a vida é urgente.

Solange Maia

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

barba por fazer...

Não era exatamente uma barba. Era uma displicência sexy e máscula. A contramão do dia a dia, o abandono da rotina, a urgência ainda velada de não querer ser tão dócil, embora passasse longe da vontade de ser truculento.
E fazia com que ele, um homem adulto, parecesse muito, muito adulto. Testosterona pura. Adulto e primitivo. Ãh ? É que mulher gosta de homem doce, inteligente, sensível, mas não resistimos à virilidade, e, nesse caso, à barba. Aahhh... a barba. Acho que deve ser uma das melhores imagens dessa 'masculinidade'.

Mudo o ângulo e percebo que ele tem acolhimento nos olhos, não... não resisto. Mas é a barba por fazer que me distrai, parece trazer implícita aquela mensagem de ‘me garanto’. Resisto menos ainda.

Gosto de cara limpa, rosto lisinho, do contato da pele, mas nele a barba cerrada revelava atitude, despertava em mim o velho clichê : ‘quero descobrir o que esse cara tem’.
Desculpem-me os ‘sarados’, mas esse ar de ‘eu nem ligo’ é muito mais eficaz que um abdômen definido.

Difícil é encontrar racionalidade diante de um homem assim.
Inevitavelmente saio com o rosto arranhado.
Um pecado.
Mas, como todo pecado, absolutamente indispensável.

Solange Maia

terça-feira, 9 de setembro de 2014

pensamentos felizes fazem a gente voar, dizia Peter Pan...

Assistia repetidas vezes um desenho que gostava.
Era assim com o Peter Pan. 
Decorava as falas, sabia as cenas, conhecia o final.
E, por saber, permitia-me a antecipação de algumas alegrias que, mesmo já muito sentidas, eram quase tão deliciosas quanto as da primeira vez.
Eu sabia que todas as primeiras vezes carregavam uma espécie de eternidade, mas naquela hora não me importava com a repetição, gostava do prazer que sentia durante aquele momento, gostava daquela fantasia, da atmosfera, e acrescentava sempre algo novo ao meu repertório sensorial.
"Pensamentos felizes fazem a gente voar", explicava Peter à Wendy, e eu repetia.

Cresci. Mas em muitos aspectos continuo exatamente a mesma.
Ouço infinitas vezes uma música que gosto.
É que a gente quer repetir o prazer.
Somos fisicamente suscetíveis a essas pequenas alegrias.
E, mesmo depois que silencio a música, fica sempre comigo alguma nota.

Então, sim.                                                                       
Claro que sim. Quero ganhar música de presente.
Quero desde muito antes daquele agosto de 2013... quero pela música em si, que é tão perene e causa sempre tanto impacto em mim, mas quero também porque, de alguma forma, você vem dentro dela.
Sim, principalmente por isso.
Porque pensamentos felizes fazem a gente voar.

Solange Maia

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

devia ser proibido...

E tanta gente presa nessa neve.
Tantas quanto as explicações, que a gente nem pede e vão logo desandando a dar... ‘foi a vida que amargou, foram as feridas do passado, tudo o que nunca cicatrizou, foram as traições, o cotidiano que me endureceu, a matemática sendo sempre maior que as relações...’
Como se fosse tudo uma coisa só.
Como se fossemos todos iguais.

Tem gente que vive nesse perpétuo estado de defesa, a memória convertendo-se num cárcere, a alegria esvaindo pelo ralo da razão. E vive-se assim, eternamente à margem.
Eternamente quase sendo.

A vida pode sim ser violentamente invadida por alguma fatalidade, a realidade de vez em quando pode nos fazer faltar o chão, a alma vai doer, o corpo quase arrebentar, mas devia ser só isso. Só esse instante agudo de dor.
Proibido virar crônico.

Tanta gente sem lembrar que o amor é sol que derrete toda neve. Há que se sair detrás dessa trincheira...
Correr riscos ainda é a maneira mais bonita de amar.
Tenho medo, é fato, mas mostrar o coração tem me dado uma alegria que nem sei...
E acredito.
Ainda acredito.

Solange Maia

sábado, 16 de agosto de 2014

cereja, poeira, cadeira...

Estou no limite do inefável. Não lembro de ter perdido as palavras assim antes. É que nunca contei, mas meus textos só nascem diante de algum vazio. E, hoje não me falta nada.
Estou cheia desse amor bonito que acabamos de viver.
Ademais, minhas palavras já foram tão lidas, e já estão tão gastas...

Pra você quero dar mais do que o verbo, quero dar o que nunca dei, meus olhos cheios desse inverno, minha mansidão, o bom silêncio, e um amor que precisa de cada uma das entidades sensórias, que não dispensa nada. Quero bocas, beijos, mãos. 
Quero a alma, e o mergulho que vem depois. Quero a pele, a fenda, o gozo.

Estou no limite do inefável, amor, mas pela primeira vez o silêncio que se seguiu não foi um vazio.
A despedida não foi um fim.
Amanhã já sei : ainda te quero.

Solange Maia 

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

depois que te perdi...

Muito embora eu ande com as retinas enxaguadas pela saudade, agora posso te ver melhor.
Você ficou mais visível depois que te perdi.
É que, às vezes, mesmo com a porta fechada a gente espia pelos vãos e pelas brechas tentando entender o que foi que realmente aconteceu.
Havia amor, eu sei, mas transitamos por fronteiras tão difíceis.
Achávamos que era paixão, pele, desejo... Tudo volátil, imaturo, explosivo e perigoso.
Mas teria se consumido se fosse só isso. E não era.

O amor insistia, pedia passagem e a gente não via.
Agora sei que estava lá.
É que aparecia com formas misteriosas, e eu via em ti alma demais, e sentia medo. Muito medo.
Por achar que sabia lidar melhor com a cabeça, tentei trazer nossa história para o racional. Mas tudo que é do cérebro é tão injusto, que nossa ternura foi ficando dura.
Então fugi.
E agora preciso daquele tipo de cura que só pode vir da solidão.

Sei que vivemos um grande amor,
e que para cada pecado, houve uma virtude,
para cada medo, uma coragem,
só não houve tempo.                              
Eu era agora, e você sempre um pouco mais tarde...

Solange Maia

sábado, 26 de julho de 2014

tento não amar você...

Vai logo colocando a mão na minha nuca, segurando do seu jeito másculo o meu cabelo enquanto com a outra mão fecha a porta que acabei de abrir. Vira minha cabeça de encontro ao beijo que sua boca me dá antes mesmo de eu falar qualquer coisa. Afasta a alça da minha blusa e morde meu ombro, saliva. Respira tudo o que imaginava e que agora tem.
Falta-me voz, falta-me fôlego, e sinto ainda o mesmo desejo da primeira vez.

Busco o pouco de clareza que resta quando teu corpo ebule assim, tão perto de mim. É que preciso lembrar que prometi a mim mesma que seria sempre só o beijo, só o desejo, só o momento. Lambo tua boca e busco com a mão tudo o que poderia estar contido num instante.
Mas é pouco.
No inicio é sempre o desejo, mas nunca é só isso.
Três segundos ao seu lado são suficientes para criar raízes, começo a me apaixonar violenta, profunda e imediatamente.
Finjo que não, e deixo a noite acontecer.
Deveria ser só bom, mas nasce uma falta no lugar do beijo.
E só o que enxergo é um provável buraco, grande e fundo.

Acho que não sei lidar com tão pouca permanência.
Sou das eternidades, e agora tenho passado meus dias tentando não me apaixonar. É.
Tento diariamente não amar você.

Solange Maia

sexta-feira, 11 de julho de 2014

para ele, o mesmo mantra de sempre...

Ele não vai embora. Tampouco fica.
Anda cheio de ressentimentos e faz um esforço danado para entender onde foi que as coisas pararam de acontecer.
E, de tanto tentar entender, tem vivido virado para trás. Investe seu tempo juntando cacos e fazendo colagens com os pedaços dessa história que já acabou.
A tristeza tem dessas coisas... faz acreditar em mentiras bonitas, promessas que nem sempre foram feitas, e nos põe agarrados a qualquer noticia que alimente nossa esperança. Tudo tão pouco, tudo tão quase nada.
A tristeza é honesta, você diria, e eu sei. É fratura exposta.
O perigo é acostumar-se com ela.

Mas o fato é que você nunca está aqui. Não no agora.
Ergue o cálice, mas não faz o brinde.
Oras...

Penso em Sérgio Godinho, que disse com razão, que a vida é feita de pequenos nadas. 
Chego perto do seu ouvido e sussurro o mesmo mantra de sempre :
- Chega de choramingos ! Perfume-se com um novo cheiro, mergulhe nu, faça uma batida de fruta do mato, fotografe paisagens, deixe a barba crescer, acredite quando ouvir um elogio, caminhe descalço, compre discos novos, beije como se tivesse 20 anos, compre uma cueca nova, e linda, veja um filme bom, escreva um poema num guardanapo, descanse numa rede, dance pela casa, coma risoto de limão siciliano, faça uma tatuagem...
Cometa pequenos nadas!
Afinal, posso jurar que foi pra isso que Deus criou o Universo !

Solange Maia

terça-feira, 1 de julho de 2014

o que eu queria tanto te dar...

Um sentimento que sobrevivia sempre a pequenos abandonos e à espera do momento perfeito.
Mas um desejo maciço teimava em crescer dentro da gente.
Estava cansada do niilismo inumano da ausência.
É que às vezes parecia que o amor queria ser notado.
Dessas noites em que se deve deixar a cabeça de lado e dar ouvidos só ao coração.
Afinal, não se pode acostumar com a renúncia.

Abri a porta sabendo que depois daqueles segundos tímidos meu corpo começaria a falar por mim, por nós, e por todos aqueles anos permeando o vale quente e silencioso de um possível vir a ser.
Tínhamos os versos, eu sei, mas o melhor de mim era o que estava escondido por trás deles, e que eu queria tanto te dar. Talvez por isso a noite tenha sido tão linda, tão de verdade...

Fui. Para que fôssemos.
E fomos.
Esses momentos têm essa generosidade... a de nos permitir ‘ser’. Momentos que nunca vou me esquecer.
Nosso desejo, finalmente, virou a boca acolhida no beijo.

Solange Maia

quarta-feira, 25 de junho de 2014

cento e vinte e sete beijos...

A luz obliqua suavizava a noite sem perder seus amarelos.
Uma formalidade preguiçosa.   
A mesa posta, embora eu tivesse sentido vontade de cantar Chico: ‘ponha os pratos no chão e o chão ta posto’... é que ainda não te contei, mas gosto tanto desses cenários que nos aproximam. Terno como a água que me serviu em cristais. Delicadezas deixam a atmosfera tão leve.

Contamos histórias que tinham vontade de continuar, mas não, ficamos quietos, presos um no outro, num discurso de palavras mudas e poucos gestos. Era como se o ar precisasse ser preenchido, como se você precisasse ser preenchido.
Um instante afável, como se eu já o tivesse vivido, mesmo sem nunca ter passado por ali.

Tuas mãos no meu rosto branco eram boca.
Tua boca no meu corpo tonto era beco.
Fui embora devagar, como quem nunca quer partir.
E acordei cedo, com vontade de te beijar.
Cento e vinte e sete beijos. Tantos.

Solange Maia

domingo, 22 de junho de 2014

a festa que ninguém foi...

Não gosto dessas deserções, a sensação era a de estar numa festa que ninguém foi, tudo parecendo caminhar em câmera lenta junto comigo, minha respiração suspensa, pausada, procurando qualquer fio de lógica onde pudesse me agarrar.
A dor, nessas horas, é visita que não se anuncia.
Eu fui. Ele não.
Mais uma vez lembro que sou um hibrido de força e fragilidade. Teimosa, nunca aceito morrer.

Devia ter percebido, o amor estava enfeitado demais.
E ainda me confundo com essa gente que alimenta relações desde que não afetem seu cotidiano imediato, ainda acho que serão atravessados por uma flecha, que vão se render, morder a maçã.
A vida não é uma resposta, eu sei, mas torço para que eu consiga entender mais rápido quem é quem.

Cansada dessa gente cuja maior preocupação é a de assegurar uma ideia construtiva acerca deles próprios.
Procuram companhia, mas só entregam solidão.
Para eles o amor não chega nunca.
Como aquela festa vazia em que eu fui.
Ele não.

Solange Maia