sábado, 31 de março de 2012

dos meus caprichos...

Tenho me imaginado passeando os dedos pelo teu corpo, libidinosamente. Foi noutro dia que aprendi a sonhar assim...
E agora vivo com essas incandescências involuntárias que nascem a qualquer hora.

É que ando tendo desejos perfumados e vontade de beijos imprevisíveis na sua boca que é tão vasta.
E só o que quero é fazer casa no teu peito, e escrever meu amor com tinta cor de romã na tua barriga, porque se minha mão te toca, e humaniza esses desejos tantos, viramos sede, viramos mar.
Um capricho meu.

E, se percorro os caminhos do desejo sendo derramadamente carinhosa, pode ser só pretexto para te tocar, ou pode ser porque carinho é onde mora a permanência dos encantos.
E dos encontros.

E esse alvoroço em mim, essa alegria, são só reflexos desse seu olhar demorado, que deixa pousado no meu dia... entre minhas pernas, no meio de mim...
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domingo, 25 de março de 2012

do meu tamanho...

De vez em quando dou passos desajeitados, como os de uma menina que "rouba" os sapatos altos da mãe.
Tento equilibrar os pés pequenos nos sapatos tão maiores do que eu, num mundo tão mais vasto do que eu supunha.
Viro quase uma ultrapassada metáfora da vida.

Preciso tanto aprender a me estabilizar.
Afinal, o tempo rouba tudo aquilo que não somos capazes de viver.
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(fotografia clicada por mim - Pés de Bebela - 2010)

quinta-feira, 22 de março de 2012

pick me up...

À noite uso um vestido incandescente. É que sou mulher nessas horas ébrias que atravessam a madrugada.
Transponho um portal que me leva de volta a quem sou.
Tranço as pernas, desajeito o cabelo, derreto as pedras de gelo, da taça a minha frente, na boca...

Nessas horas as conversas podem ser lunares, abstratas, feitas de palavras labirínticas que vão contornando a mesa, a cadeira, o sofá, a cama...
Tudo envolto pelo tecido frágil das verdades metafóricas.
Mas nada é mais concreto que o desejo.
E o desejo mora na noite.

Mas o tempo se esvai, e não fica.
O que fica, sempre, é o silêncio do depois.
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domingo, 18 de março de 2012

ainda em cima do muro ?

Todo espelho, mais cedo ou mais tarde, não responde o que a gente quer. O relógio biológico não para, antes que a gente aja, age a vida.
E apesar de termos certeza da atemporalidade que nos habita, a gente ainda se assusta com essa coisa tão simples.

Triste quem faz uma escolha errada e a ela fica aprisionado.
Triste a falta de compromisso e interesse de quem escolhe passar a vida em cima do muro, porque de lá, a visão é a das possibilidades, acha-se então que se conhece uma e outra realidade, mas é só ilusão. De cima do muro a vida não passa de uma promessa.
E promessas são intangíveis.

Viver tem que ser hoje.
A dúvida é uma queda diária no abismo que fica entre o sim e o não.
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sexta-feira, 16 de março de 2012

das messalinas modernas...

A menina esguia sentada no banco do bar tinha dois mil anos. Vivia numa São Paulo arquétipa, na meca da liberdade, no universo das jovens mimadas, saturadas de seu próprio intelectualismo e independência. O rosto de aparência extrema, erotizado, pintado com tons fortes. É bonita.
Ela não disfarça, quer devorar os homens.
Precisa, antes que seja devorada.
E ocupa o bar todo.
Existe inteira, mesmo sem existir.
Não fosse o celular e a calça jeans, em nada se diferenciaria das cortesãs da Babilônia.
E seria incrível.
Se não fosse tão óbvia.
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domingo, 11 de março de 2012

das palavras que estragam tudo...

Amo as palavras, mas às vezes elas estragam tudo.
Se não são ditas no instante, estateladas na cara, se não são reproduções da verdade, então elas doem cronicamente, e correm o risco de demorar uma vida inteira para serem destiladas.

Lembro-me de uma reza, que ouvi uma vez, que dizia lindamente que o homem é senhor de todas as palavras que não disse, e escravo de todas as que proferiu...

Que o Universo me permita então, usar tanto as palavras quanto os silêncios.
Porque no fundo, são eles que me salvam. Os silêncios.
São eles que me dão a certeza de que em algum canto de mim estou sempre me refazendo.
Então me acalmo, e agradeço.
E torço por essa minha vontade de ser feliz que só eu sei...
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(imagem : Eu - fev.2012)

quinta-feira, 8 de março de 2012

dessas alquimias...

Como muitos brasileiros, tenho em mim a mistura dos povos. Avó italiana, avô libanês. Do outro lado, um pouco mais distante, portugueses. Deles herdei o hábito de me relacionar com a família à mesa. Muitas vezes foi na cozinha que atualizamos nossos afetos.

E não consigo partir do cheiro de lenha queimando e dos pinhões assando nas tardes de domingo na chácara do meu Avô, nem da Nena contando “causos” enquanto enrolava chineques de creme e côco, ou das fornadas que enchiam o ar de perfume do alecrim que temperava os lombos de Natal. Um pouco mais tarde minhas tias reunidas na imensa mesa oval da cozinha da Vovó, na praia, falando da vida enquanto faziam decorações na massa das tortas de camarão. Os mariscos lavados no tanque, o leite fervendo por horas até que surgissem os primeiros grumos da ambrosia, mamãe fazendo quirera de milho, papai arriscando um penne ao funghi secchi... e a gente em volta, a gente sempre em volta...

E ali, entre receitas e prosas, a vida era lindamente reinventada. Uma pitada de sal e nasciam soluções mágicas para as mesmas velhas questões.
Porque a vida não deixa de ser assim, essa alquimia que não se faz sozinha.

Ainda hoje, quando preciso definir felicidade, digo sempre que explicar eu não sei, mas que ela tem cheiro de bolo de fubá, e de café tirado na hora, ah... isso tem !
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sábado, 3 de março de 2012

cansei dos heróis...

Mais do que um elemento literário, o anti-herói é uma figura cotidiana que eu amo.
Amo por sua improbabilidade, por sua timidez iminente, porque ele rejeita as virtudes não se importando em ser considerado correto ou desejável. É um herói ao contrário, sem a soberba nem a malícia, quase nunca é compreendido, e, dificilmente segue rótulos ou se enquadra, o que é uma delícia, porque o torna uma figura humana absolutamente palpável. Nele a perfeição foi posta de lado, é o herói possível que habita cada um de nós.
Tinha tudo prá dar errado, mas deu certo. Podemos alcançá-lo.
Está longe de ser o vilão, mas longe também de um semideus.

Nele os olhos são sempre um sorriso, de alegria ou de deboche, pouco importa, o anti-herói reconhece suas falhas e dúvidas, e nele há sempre uma redenção possível, um perdão velado, pelo desajuste ou pela malandragem, que é sempre uma malandragem fora de moda, mas totalmente “do bem”.

Enfim, a vida é vasta e a peleja é longa, e naqueles dias em estamos fartos de soluções de revista, é aquele cara que ninguém dá bola, que ninguém aposta, que vai estar ali. E é nele que nos agarramos, no homem possível.
Nos maravilhosos e sedutores homens possíveis...
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