segunda-feira, 30 de maio de 2011

palavra vira-lata...

de tanto escolher, polir, cuidar,
as vezes as palavras gastam-se, tornam-se comuns.
é aquela velha história da ternura dura.

gosto da palavra distraida, daquela que escapa das mãos, da que vira gesto.
das palavras vira-latas, soltas nas ruas, sem definições que as prendam.
livres, perturbadoras, com tantos pedaços que são quase infinitas.
palavras que não querem ser belas, querem ser reais.
quero-as sem pedigree mesmo, e de contornos indefinidos.
as outras já não me servem.

palavra vira-lata procura sempre a metade que lhe falta.
e essa metade está em quem a lê.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

eu não quero saber uma porção de coisas...

Tanta gente cartesiana.
Vivem entre quadrados e linhas retas. Fazem parte de uma espécie de clube seleto. Gente que se especializa em reduzir riscos e minimizar danos, e passam a vida calculando.

Eu não.
Eu não quero saber uma porção de coisas.
Prefiro correr riscos, sentir arrepios, esfolar a alma.
É assim que me sinto viva.
Porque em mim detalhes singelos sempre ganham proporções homéricas.
Fico com as pequenas orquestras. Elas é que tocam as grandes canções.


ver só com os olhos

é fácil e vão:

por dentro das coisas

é que as coisas são.

C.Q.Ribeiro

sexta-feira, 13 de maio de 2011

do que deixo nos lençóis...

Enquanto meus pés desenhavam círculos em suas coxas eu falava das coisas mais bonitas que sabia. Falava sobre o amor, e sobre como ele envolvia todos os sentidos a uma pitada desconhecida e bela. Falava também sobre as espirais que faria em teu corpo antes que o dia terminasse, e sobre como eu queria que aquele instante se repetisse mais uma vez, e outra, e ainda mais uma. Falei que maior que o colorido do instante era minha vontade da eternidade de você.


Falei. E na mesma hora senti a vertigem do querer.


Não soube disfarçar o quão pouco bastava para me fazer feliz.


A verdade é que tem horas que me sinto tão frágil que preciso partir.



Foi assim. Saí de cena sem nem um olhar prá trás.
Tive medo de ver meus sentimentos derramados pelos lençóis.



sou feita de sonhos interrompidos,
detalhes despercebidos,
amores mal resolvidos...


Martha Medeiros

terça-feira, 10 de maio de 2011

porque nunca me canso de você...

Ali, na mesinha escondida no fundo do bar, esteve o para sempre.
E, na vontade do abraço, um instante leve que trago comigo.

.
Embora você gaste um tempo danado descrevendo meus erros, e use tão levianamente as palavras, ainda assim há sempre aquela incontestável eletricidade no ar, e embora tentemos disfarçar só o que queremos é ternura, e aquele beijo bom que sempre nos faz sentir como se tivéssemos acabado de descobri-lo.
.
Ontem o horizonte era uma pergunta.
Então cuido para que dias assim não virem só memória.
Talvez hoje você não entenda, mas é que de mãos dadas o mundo tem outro movimento.


segunda-feira, 9 de maio de 2011

para aprender a cozinhar...

Esse vício em contos de fada que a gente tem.
Esses enganos.
.
Foi assim, tal qual menina pequena, que fui logo achando que um bolo de fubá no meio da tarde resolveria tudo. Era o que faltava na minha vida quase completa, e parecia ser, afinal, a receita certa para se formar uma família : comer bolo repartido. Então fui.
Casei.

Deixei minha casa cheirando a bolo.
E como me esforcei para acontecer.
Mas essas tardes tinham sempre uma alegria subjugada e olhares que pouco se cruzavam.
É.
Faltou açúcar. Errei na mão.
E não canso de pensar em como o Henfil traduziu lindamente essa falta, em uma carta à sua mãe :

Mãe,
Não suporto mais a saudade sufocante do meu irmão Betinho. (...) Perdoa, mas biscoito de farinha só é gostoso se mastigado olhando nos olhos do irmão que sente na mesma hora a mesma delícia.
A bênção de um dos seus filhos,
Henfil - 11/04/1979

Mas, como o que me “toca” costuma vir a mim através dos “enganos”, acho então prudente (e urgente) comprar um livro de receitas.



quarta-feira, 4 de maio de 2011

menininha mal resolvida...

Dentro de mim mora uma menininha mal resolvida que poucos sabem.
E ela é louca para viver o beijo de Klimt.
Porque para mim é fundamental ter mãos contornando meu rosto.
Mãos que não podem ser estas, ou aquelas.
Devem ser as do amor, as que conhecem as ternuras, as que sabem caminhar por mim.
Mãos que encolhem sua imensidão pela vulnerabilidade da minha solidão iminente.
Mas que me invadem. Firmes.
Quem sabe assim flutuo.
É que sinto saudade de acabar o dia com a sensação de que o beijo vai acontecer de novo.
E mais uma vez, e outra...