segunda-feira, 28 de novembro de 2016

experimentando o vazio...

(fotografia clicada por mim - Deserto de Mojave - 15.out.2015)

As 15h59 o termômetro marcava 117 °F, ou seja, 47,22°C, no Deserto do Mojave. Eu estava lá, contemplando aquele cenário inóspito chamado Vale da Morte.
Outubro. Ninguém num raio de 40 ou 50km. Nada, nem água, nem gente, nem casa, nem posto de gasolina. O GPS era uma tela em branco. Ninguém mapeou aquele lugar, o sinal desaparece. Desaparece a vida. Nenhum bicho, nenhuma ave, nenhum réptil, nenhuma planta.
Nenhum verde.
Aos poucos desaparece o tempo, a saudade, a memória. Desaparece o passado.
Nenhuma nuvem, nenhum som.
A impressão que tive é que de repente parei de respirar.
O sol irradiava um clarão ofuscante e dramático, mas parecia noite. De uma escuridão exagerada, interna, eu sabia. De uma rudeza áspera.
De uma beleza absurdamente solitária.
Olhar esse nada, estranhamente, me devolvia a mim.
Eu já havia sido cada uma daquelas pedras, cada centímetro daquele vazio.

Senti necessidade de fechar os olhos para existir.
E ali fiquei, experimentando aquela ‘não existência’  até que encontrasse o final dos meus medos.
Mas estava quente demais, e os quase 50°C me devolveram rapidamente à realidade.
Abri os olhos e o sol incandescente impunha seu calor, simplesmente. Cada coisa existindo, exatamente como devia ser.
O bicho pequeno, rasteiro, para diante de mim e riu.
O nada é habitado, eu já sabia.
Devagar, e aos poucos, fui voltando a respirar.
E lá estava o deserto e suas encostas coloridas, cheio de dunas onduladas e de um horizonte que não acaba.
Cheio de um vazio tão necessário.
Bonito é quando a gente percebe que somos todos feitos desses pedaços desabitados, embora, assim como no deserto, o vento, os cactos, o escorpião, a serpente, o falcão e o lagarto, estejam sempre ali.
Sempre ali.

Solange Maia

2 comentários:

  1. Já a designação VALE DA MORTE assusta.
    Os 47, 2º matam.
    Só a água levada num cantil nos pode salvar e levar para lá desse horizonte sem fim.
    Muito bem descrito que até a língua deste lado do monitor se me seca.

    Um beijo, Solange.

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