terça-feira, 29 de março de 2016

a cereja em cima do quadro...

O vendedor de enciclopédias não sabia, mas aquela página, com a tela “O Banho Turco”, de Ingres, foi a porta de entrada daquele menino ao mundo adulto. Vista tantas vezes, a cena retratada, normalmente proibida ao olhar masculino, o conduziu àquele universo novo de prazer e de volúpia. É que imagens contam histórias que seriam encolhidas se fossem escritas. Uma obra erótica, mulheres arrebanhadas, prontas para serem devoradas, mas ao mesmo tempo indiferentes e presas nelas mesmas. Tão ser mulher, ele descobririu depois.

Ocupava-se daquela presença total da imagem dentro dele, e daquele recorte de tempo em que experimentava não somente uma vivência física ou uma emoção genital. A experiência envolvia ver, antes mesmo de ter visto de verdade, uma mulher tocando os seios da outra, envolvia imaginar aquelas tantas curvas roçando nele também, envolvia sentir o desejo latente e descobrir que não havia graça alguma em virar a página depressa.
Talvez tenha sido ali que aprendeu a desejar o desejo.
E a brincar com uma das mais antigas munições do prazer: a fantasia.

Ali o sexo não precisava de palavras grandes demais, nem de um repertório romântico que justificasse o desejo.
Ali era o querer, desprovido de outras expectativas.
Ali, e enquanto era um menino, o banho turco bastava.

Mas ele cresceu, e passou a querer mais do que saborear um quadro para voyers.
Mantinha a apetência instintiva dos seres, mas desconfiava que era no outro que o prazer crescia.
Queria um gatilho especial.
Queria sentir-se presente para alguém.
Queria o amor.
E ser amado.
Desejado, além de desejar.
Ele sabia que esta era a cereja em cima do quadro.

Solange Maia

* Imagem: O BANHO TURCO - Jean Auguste Dominique Ingres (1780 - 1867)

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