domingo, 3 de abril de 2016
quando as coisas (e as pessoas) eram amadas...
Lembro-me daquela escadinha caseira, de
madeira antiga, que todo mundo tinha em casa. A da minha Avó ganhava pintura
nova todo ano. Já tinha sido de tantas cores que seu desgaste natural tornava-a
ainda mais bela, aos meus olhos de criança era um prisma luminoso sem
precisar ganhar pintura alguma. Mas era o que estava além da escada que me
gerava encantamento. Gostava mesmo era de ver Vovó em seu último degrau, com o espanador
de pó nas mãos, limpando cuidadosamente seus livros. Isto sim me fascinava. Ela
limpava um a um. Os preferidos, lembro bem, eram encapados cuidadosamente com
papel pardo, “O Tempo e o Vento”, numa dessas edições de capa dura e brochura, tinha
até o desenho de um casal, feito por ela, a lápis colorido, na capa de papel.
As coisas eram assim.
Mais ‘cuidadas’.
Mais duradouras.
O livro que era dela seria da minha mãe,
depois meu, em seguida da minha filha, e assim por diante.
Era assim que aprendíamos um pouco sobre o
significado das coisas. Elas não eram feitas para serem consumidas e
descartadas, como fazemos hoje. As coisas eram amadas, viravam heranças para as
próximas gerações, tinham histórias além da história, e jamais se falava em
preço, as coisas eram medidas por seu valor.
Olho uma pilha desses livros de bolso,
versões fininhas e resumidas, sendo vendidos em bancas de jornais, e sinto saudade de tudo
isso.
Sinto solidão nesse tempo de coisas feitas
às pressas, sem importância, dessa descartabilidade que nos põe tão frágeis e tão pequenos.
Falamos com tranquilidade sobre a importância
da imediata substituição das coisas, afinal, num mundo de tanta fartura, se não está bom, é só trocar. Trocamos até
mesmo pessoas.
Sim, pessoas passaram a ser substituíveis, existem
muitas, para que investir em alguém se este alguém não é exatamente quem você
deseja?
Transitoriedade é palavra de ordem.
Seja incrível, por favor, ou lanço-te fora.
No reverso desta medalha estamos nós,
assustados, podendo ser jogados fora a qualquer momento, nos esforçando para
mostrar esta ou aquela qualidade, desejando, pelo amor de Deus, que elas bastem.
O que faço agora, que não caibo nesse mundo,
pois só o que me vem à cabeça é a permanência dos livros de minha Avó, e as
palavras de Mia Couto?
Amo o que não tem despedida.
Solange Maia
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O ser humano não tem mais o direito de ser comum...Somos obrigados a superar as expectativas, senão... Beijos, linda semana pra vc!
ResponderExcluirO ser humano não tem mais o direito de ser comum...Somos obrigados a superar as expectativas, senão... Beijos, linda semana pra vc!
ResponderExcluirOs olhos da memória estão sempre passando a vida a limpo. Que bom, Sol, que os seus são sempre tão lindos e transparentes. Quando você passa o que viu para o papel, todos nós saímos ganhando com isso. É beleza pura! É uma alma irradiando luz. Obrigada!
ResponderExcluirLI na página amei, e era tudo tão sagrado
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