sexta-feira, 22 de julho de 2016
da parede caiada...
A
vontade dela era impotente.
Observava
por horas infinitas o amor de sua vida, ali, tão quieto. O
tempo, avassalador, havia enfraquecido o homem que um dia havia sido. Passava
o tempo todo deitado, sem a avidez de outrora, mas ainda lindo, como sempre
fora.
Era
assim que Mary o via.
Com
as lentes do amor.
No
quarto, a parede branca era um abismo que sugava seu olhar. Na
rotina dos dias ele parecia não se interessar por outra coisa. Angustiada
por esta solidão de cal, olhava para o mesmo vazio que ele, procurando
respostas. O
que haveria ali? O que ele queria? Um pouco de paz? Ou teria uma vontade
espremida na pálpebra? Mary não sabia.
Ainda
não.
Mas
estava determinada a descobrir.
E,
embora estivesse muito cansada e com medo daquelas tardes que passavam
arrastadas, e não traziam respostas, Mary tinha fé.
Por
toda a vida soubera de seus quereres. Achava até que tinham as almas entrelaçadas
há milhares de anos.
Então,
olhou pera ele fixa e demoradamente, envolta por um silêncio profundo e solene. Sem
que uma palavra sequer fosse pronunciada, ela soube o que fazer. Beijou suas mãos e saiu determinada. Dirigiu-se
à despensa. Atrás
das velhas fôrmas de pudim pode ver a caixa de madeira ocre. Tão usada. O
mesmo perfume, cheia de memórias, de tintas e de pincéis. Abriu delicadamente a tampa, e retirou
de dentro o vermelho mais rubro que pôde encontrar.
Com o espírito renovado, aproximou-se
da cama e levantou os braços como se fosse dançar.
Não ia.
Ia pintar.
Mary pintou na parede branca um enorme
coração.
Desfez-se imediatamente o branco
abissal.
Voltou-se para ele e viu, finalmente, um
sorriso desenhado no canto da sua boca.
Talvez um de seus últimos gestos.
Somos todos passageiros, ela sabia,
menos o amor.
E, para quem quiser ver, ainda está lá,
pintada na parede caiada a figura alegórica do amor.
O coração que, seja onde for, está
sempre no lugar certo.
Solange Maia
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Somos todos passageiros, menos o amor .
ResponderExcluirUma linda lição. Bom demais te ler. No blog também tem lembranças de casa de taipa, casa de avó
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