domingo, 25 de setembro de 2016
Lá no Fim da Infância
Um desejo narcísico e vaidoso o levou até onde estava. Era
tido como uma das principais referências entre os grandes executivos do país.
Caçula de uma família de cinco irmãos, doce e sorridente,
até perceber que nunca era visto. Não como alguém merece ser visto, com
vagareza.
Todos o conheciam por Duda, mas seu nome era Pedro. Duda, na
verdade, era o irmão mais velho, de quem herdara o guarda-roupa, e a identidade
por consequência, tamanha a distração dos que o cercavam.
Sempre confundido com Duda, e cansado de tentar explicar,
resignou-se.
Sufocado por esse anonimato doloroso, um dia, lá no fim da
infância, decidiu que tudo seria diferente. Encontraria seu espaço, fosse qual
fosse o preço a pagar.
Focado, logo se tornou Petrus, o melhor no que fazia. Mérito
exclusivo dele. Soube percorrer com precisão a estrada até lá.
Mas nele, uma porção de sonhos ficava escondida atrás do
olhar, quase sempre, à deriva.
Investia grande esforço para controlar variáveis
incontroláveis. Perfeccionista ao extremo, dizia a ele mesmo, o tempo todo,
onde devia chegar. E, de alguma forma, sempre chegava. Então, boa parte dele
enchia-se de orgulho. Mas a outra parte, poucos sabiam, morria.
Morria porque estava exausto de fazer o que não amava, e, em
dias assim, nem percebia, mas estampava no rosto uma austeridade assustadora,
que o envelhecia muito. Nessas horas não era nem Pedro, nem Petrus. Tampouco
era Duda. Era só um vazio, um oco, um eco.
Eram dias que viraram semanas, meses, anos, até que
desaprendeu a sorrir.
Acumulava recompensas que não queria. Tinha motivos pelos
quais muita gente se orgulharia, mas ele não. No final do dia, sempre sozinho e
exaurido, na frente do espelho, seu semblante não mentia: tinha quase nada por
dentro.
Muitas camadas por fora, sobrepostas umas às outras, mas
elas não escondiam o menino que havia sido um dia. Não para ele.
Ninguém abandona a infância de onde veio, nem o menino que
um dia foi.
Petrus, em noites assim, sentia saudades do Duda que, sem
ser, havia sido.
Quando menino, sofria de alguma invisibilidade, mas sabia
sorrir.
Sim, sabia sorrir.
Solange Maia
Este é um dos 22 contos do nosso livro "Histórias que
os Rostos Contam"... o único que vamos publicar.
A história foi inspirada no rosto de Antônio, personagem que
tem uma história de vida incrível. Foi motorista de noiva, Gerente de
Telemarketing, teve carros e imóveis, mas depois de perder 3 filhos, teve uma
depressão profunda que só curou no meio da natureza. Virou jardineiro!...
Quer saber mais?
Quer ler outras tantas histórias lindas, que falam de amor,
de saudade, de coragem, de medo, de vergonha, de orgulho?
Estarão no livro, que será publicado em Novembro.
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Lindo demais!!!
ResponderExcluirA resignação de ser o Duda em breves instantes para poder respirar mais leve. Outro ótimo conto! Excelente! Comentei o que fala sobre as Helenas, mas parece que não foi. Vou comentar novamente.
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