
sábado, 24 de fevereiro de 2018
eu não entendia que aquele era o dia em que você nos deixava...

Talvez eu nunca tenha trabalhado tanto.
Ou talvez sinta isso porque, afinal de contas, agora sou uma mulher de 50 anos.
Ando cansada, e, neste mundo cada vez mais difícil de acompanhar, a falta de tempo para ‘viver’ me incomoda, me incomoda ainda mais quando a vida esfrega na minha cara nossa finitude e nossa fragilidade. Sinto medo.
No dia em que você nos deixou lembro de ter visto a sombra dos jasmins no chão da sala, e sorrido sozinha. Era um dia comum, porém, eu ainda não entendia que aquele era o dia em que você nos deixava.
Que você só pôde chegar até ali. Que era isso. E pouco importava se o jasmim floresceria mais uma vez.
Essas ausências endurecem a mim e ao mundo, nos obrigam a aceitar nossa impotência.
E mesmo cada amigo estando ali, entregando um pedaço da sua história, contando dos teus sorrisos, das tuas últimas conversas, dos teus planos... mesmo assim senti um imenso vazio. Eram lindos, mas eram só fragmentos afetivos da saudade. Você não estava mais ali.
E nesse mundo em que vivemos com a sensação de estarmos sempre à beira de um colapso, só o que me vem à cabeça é que saudade não faz o relógio voltar, aliás, relógios não asseguram nada, a única coisa que garantem é que o tempo se esgota.
Então não devemos ficar presos a nenhum ciclo de promessas: a vida é hoje. Só hoje. E nossa obrigação é 'viver'.
Embora internamente despedaçada, entendo que a morte seja um mistério.
A vida também.
E é o que existe entre elas que ameniza minha dor.
Afinal, tenho certeza que toda lembrança é uma forma de encontro.
Solange Maia
para Tatiana Wooten, Sol Orsini (Suzana) e Beatriz Gaue Lima,
minhas queridas que acabaram de partir, com amor.
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018
cansaços são passageiros...
Ela estava muito, muito cansada.
Cansada até das coisas que não acontecem. Mas tinha uma vida que pedia
socorro para seguir em frente.
E não podia parar, embora desejasse muito poder mergulhar os pés em
água florida, e torcer para que esse frescor subisse pelo corpo e pousasse em
seu coração que precisava tanto sorrir. Ela precisava de um milagre.
Mas achava que nem acreditava mais neles.
Os milagres sobrenaturais e etéreos tinham ficado tão distantes...
De tão cansada fechou os olhos.
E, de repente, lá estava ela, a mãe solteira, criando seu filho no
abandono do pai. E também as mães que são sozinhas mesmo na presença de seus
companheiros. Criam seus filhos sabendo que a maternidade perfaz muito mais do
que terem seus nomes num registro de nascimento. Sabem que a maternidade
pressupõe acolhimento e desdenha absolutamente de documentos. Nem lembram o
quanto vivem cansadas. E não percebem, mas enquanto esperam por um milagre, o
fazem.
Então era isso, ela pensou, os milagres aconteciam na ação da sua
busca.
Aconteciam no caminho.
Viu também o homem pobre e faminto, que tinha a solidão desenhada no
olhar, mas quando diante de um naco de pão, sem nem titubear, alimentava com
ternura primeiro o seu cão. Ele era outro milagre.
E o Nobel com quase 60 títulos, modesto diante do auditório lotado,
falando baixo porque pessoas seguras sabem que não precisam dar autoridade aos
seus ensinamentos. Ele compreende até mesmo quem o nega: todas as suas veredas
são de paz. Seu despojamento era outro milagre.
Então talvez fosse por isso o seu cansaço, para que ela pudesse
reconhecer as importâncias.
Para que voltasse a acreditar.
Para que descobrisse que cansaços são passageiros.
Mas o amor não é.
O amor é o próprio milagre.
Solange Maia
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