quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

será que estamos abandonando as coisas cedo demais?

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Criei muitos textos ao som de Norah Jones. Talvez por isso tenha esperado ansiosa os meses que antecederam seu show.
Brinco dizendo que ela faz música adulta, elegante, consistente. É capaz de nos conduzir por ondas ébrias, doces e sensuais. Estabeleceu, sentada ao piano, com a luz do palco baixa, uma atmosfera íntima e envolvente.
Foi fácil esquecer, durante aqueles minutos, tudo o que havia deixado lá fora.
Me emocionei. Por tantas coisas.
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A música é um descanso secreto que vai tomando o lugar de todos os pensamentos. Os dedos encostam na pele das teclas e nos suspendem no ar. Não há mais buscas, só o fogo trêmulo do desejo sustentando as notas e as harmonias. Até que sentimos outra chama se erguer: a do amor.
Norah constrói essa experiência só com as sonoridades. Para mim, é uma deidade.
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Essa imensidão acontecendo no palco e, em contrapartida, na outra extremidade uma estranha agitação. As pessoas levantando e voltando a se sentar, um murmúrio sutil, mas incessante. Uma desatenção. E me pego tentando compreender onde foi que tantas pessoas perderam a capacidade de se envolver. Desde quando pararam de mergulhar e de viver as experiências com inteireza?
Ouvir Norah Jones, Nina Simone, Madeleine Peyroux ou Billie Holiday é muito mais do que apertar o “play”. A experiência oferece completude, precisa ser sensorial para ser completamente vivida. E vale cada segundo...
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Suspeito que estejamos sendo atropelados pelo tempo e pela ligeireza. Nem bem é anunciada a última canção e as pessoas já começaram a se levantar. Um alvoroço, uma urgência. Homens apressados seguidos por mulheres aflitas formavam filas em direção às portas de saída. No palco Norah ainda cantava, límpida e acessível, a voz aveludada inundando o espaço e a alma.
No fim, quem não tinha tempo para perder, perdeu.
Norah terminou aquela bela canção e ainda voltou para o bis.
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Penso nas tantas coisas que são ainda mais prazerosas pelo que sobrevém ao instante. Depois do amor a estadia dos corpos nus, entrelaçados sobre a cama, talvez seja a eternidade de um casal. O suor escorrendo pela margem do dorso, o cheiro da pele, o cabelo desalinhado caindo sobre o rosto são as molduras do que é permanente. Do que é imortal.
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Torço secretamente para que sejam mais importantes as vagarezas do que a pressa para desocupar a cena, tomar uma chuveirada, ajeitar a maquiagem, passar novamente o perfume e, indiferente ao outro que ainda te espera, finalmente, estar pronto. Pronto para quê? Para se fotografar diante do espelho e postar um sorriso resumido nas redes sociais.
Peço desculpas à Norah...
É que talvez as pessoas estejam abandonando as experiências cedo demais.
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Solange Maia

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