domingo, 9 de fevereiro de 2014

derretendo as palavras...

Ele sabia da caneta tinteiro e pediu que a deixasse na cabeceira. Queria escrever para mim.
Separei o bloco de vergê também, perfumei o quarto, Portishead cantando Glory Box, e, senti desde aquela hora a vertigem do querer. Lembro-me de ter me deixado cair na cama, com o corpo entorpecido pelo desejo. E dormi.

Um tempo depois senti o corpo arrepiando com a respiração dele, que de tão próxima a mim, me despertou.
A caneta tinteiro já em sua mão retinha o azul da tinta, formando uma pequena gota, espessa e escura.
Ele a encosta em minha pele. Não havia papel algum. 
Era em mim que ele escrevia.

A pena rígida sobre o meu ventre mal me deixava respirar.
O desejo passava dele para a tinta, e depois para o meu corpo. Virava gesto. A ponta afiada arranhava minha cintura enquanto ele escrevia um alfabeto inteiro. Íamos nos fundindo, ele percorrendo minhas costas, a nuca, atrás do joelho, entre os dedos. Fui virando o corpo, deixando-o escrever, inclinando-me para frente, alongando os braços.
Ele depositou um poema inteiro em mim.
E assinou seu nome no ângulo do meu rosto.

Mas nossos corpos fundidos e suados derreteram a tinta, e as letras foram escorrendo em mim. Agora só o lençol, todo manchado, denunciava o que havia acontecido.
As palavras sumiram. E acho que nem precisávamos delas.
No quarto, para sempre a permanência do texto.

Solange Maia

9 comentários:

  1. Uauuu!!

    Nada a declarar.

    Tudo dito e sentido!

    bjão!

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  2. Solange, quanto tempo! E quando volto aqui, encontro uma belezura dessas. Que coisa mais linda!
    Palavras escritas no corpo e na alma, que, em meio ao suor escorrem, mas permanecem na alma para o todo sempre.

    Beijo!

    Sacudindo Palavras

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  3. Solange lindo e cheio de sensualidade gostei. Bom Domingo e boa semana.
    Beijos
    Santa Cruz

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  4. Pasan los dias y vuelvo sin dudarlo a estos párrafos...cuanta cosa linda Vida Solange. Una vez más, me has derretido...Te abrazo !!

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  5. presente???! UAU! pensei em repe4tir tal texto...fiquei imaginando a cena.............. #delicia

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  6. Sol, senti falta de poesia no meu dia e vim te visitar. Ainda não posso escrever por conta de uma cirurgia no olho direito, mas o que li aqui valeu por uma vida inteira de silêncio. Guardo suas palavras no coração e penso: "Ah, se todos fossem no mundo iguais a você". Bjs

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