sexta-feira, 6 de julho de 2018

os números já não têm a menor importância...

A cada manhã o mundo é outro.
Acordei com 51 anos e, sabendo disso, os números já não têm a menor importância.
Não se pode pretender segurar o tempo uma vez que é ele que me presenteia com tantos encantamentos: Bebela já lê livros inteiros, o cabelo da minha irmã está crescendo, meu amor plantou jasmins comigo, e eles estão florindo, mantenho amigos da infância, faço novos amigos, aprendi a fazer estrogonofe de shimeji e a cantar o Gayatri Mantra sem errar. Vou abandonando meus desassossegos e conquistando uma aceitação dos fatos que é muito tranquilizadora. O chão onde piso faz mais sentido agora. E nunca, nunca desejei tanto a paz.
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Tenho algumas tristezas que ainda ontem não estavam aqui, mas vivo, apesar delas. Já aprendi o estrago que palavras ditas no escuro do inverno podem fazer.
Com mais estrada sob os meus pés, percebo que algumas coisas reclamam consistência: gente monocromática me cansa, palavras ácidas revelam muito sobre quem as diz, excluir é um verbo que deveria ser excluído, desamparo é condição, não verbo, mas também não deveria existir. Uma mentira precisa de muitas outras para se sustentar. E, infelizmente, falta muita ternura nesse mundo, e gente com coragem para mudar tudo isso.
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Alguns sonhos permanecem suspensos. Os outros realizo nas pequenices dos dias: tenho manjericão no terraço, luzinhas de Natal o ano inteiro, uma lista dos lugares que ainda vou conhecer e uma coleção de palavras e frases que amo: minarete é uma delas, e “Alice tirava o silêncio dos cantos da casa” é outra. Estão entre as minhas preferidas.
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Ainda ‘sofro’ de encantamentos, graças a Deus: todas as manhãs me surpreendo com a alvorada e suas cores incríveis, amo ver os pontinhos de poeira brilhando no quarto, na luz que entra pela fresta da janela, são quase vagalumes diurnos. Estradas me fazem sentir uma alegria tola, pudim de caramelo também. Música me comove, ver gente dançando também. O amor renova minha fé. Sempre.
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Algumas coisas já sei, aprendi: trocar palavras por gestos. Rezar. Ouvir o sagrado. Agradecer. Sei também das portas que um sorriso abre. Que relações precisam de mãos. E de olhos. Sei escutar e sei acolher. Sei fazer panquecas. Sei que a verdade é absolutamente libertadora, mas que deve ser dita com delicadeza. Sei que a maturidade só vem depois que nos faltam pessoas. E afetos. Que desonestidade é uma questão de caráter. Que longas explicações desejam esconder longas faltas, ou medir milagres usando matemática. Quero, cada vez mais, estar perto de gente nutritiva, mas hoje, reconheço que distâncias também me socorrem.
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Celebro meus 51 anos ciente de que a vida nunca foi fácil, mas sorrio secretamente por dentro, pois nunca, jamais, perdi a doçura.
A cada manhã o mundo é outro. Tudo diferente.
Só uma coisa não muda: preciso acabar os dias com o coração completamente cheio!


Solange Maia

3 comentários:

  1. Ah, que lindo!!
    (Vou fazer 60, em agosto. E gostaria de ter escrito tudo isso!)
    Sempre levo comigo o que aprendo, aqui. Às vezes posto uns pedacinhos no meu blog, com os devidos créditos.
    Obrigada!

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  2. Venho aqui te ler e saio com o coração transbordando. Nesse instante estou fechando os olhos e do fundo do meu coração te desejo um tantão de coisas boas.

    Te abraço.

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