quarta-feira, 14 de agosto de 2019

pedala, Goa...

Era um dia cinzento de vento fininho. Gotículas geladas se desprendiam do mar e umedeciam toda a orla.
Goa, de cócoras, olhava-a profundamente nos olhos:
- Pega impulso e vai. Mais do que pedalar o importante é a atitude, seja firme e corajosa. Estou aqui, não tenha medo, você vai conseguir.
E a menininha saiu pedalando. Sorrindo e olhando para frente. Como se fosse fácil.
A fé é tão linda e tão misteriosa.
Foi assim que Indira, em apenas 2 minutos, aprendeu a andar de bicicleta.
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O tempo correu e a neta nem havia se dado conta. Goa devia ter perto de 80 anos.
Só o que ela sabia era que os últimos dias tinham tido um ritmo estranho, tudo parecia mais desconectado e mais lento. Mudaram as urgências.
Não existiam respostas para tantas perguntas. E mesmo que isso não fosse nenhuma novidade para eles, ainda assim ela estava assustada.
Indira pensava em como acontecimentos inesperados colocavam as pessoas diante de imensas janelas pelas quais podiam ver, mais uma vez, as paisagens de todos os lugares em que já haviam estado. Estavam lá todas as crianças que já tinham sido, os quintais de suas infâncias, o velho pavão, o cheiro de gengibre, a cítara, as histórias, os encontros, os encantos, os almoços de domingo, os vazios, os portões, todos lá, enfileirados. Todos. Assim como a bicicleta na praia de Morjim.
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Sentada ao lado dele, olhando profundamente em seus olhos, Indira disse:
- Pega impulso, Goa. Mais do que tentar o importante é a atitude, seja firme e corajoso. Estou aqui, não tenha medo, você vai conseguir.
Mas, bem lá no fundinho, sabia que com gente grande as armadilhas podiam ser maiores.
Então fechou os olhos e rezou baixinho para que ele também pedalasse.
Em 2 minutos.
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Solange Maia

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