domingo, 5 de maio de 2019
porque as coisas estão mudas...
Devo desculpas a Lacan que dizia que numa frase pronunciada, alguma coisa se estatelava. Sim, Lacan, pode ser, mas agora sei que é na mudez das coisas que ouço ainda mais alto a vida se estatelando.
Miudinha e amuada, não se parece em nada com o mulherão que fora um dia. Já não nos olha mais enviesadamente. Algumas vezes pergunta por que tem tanta gente almoçando na casa dela. Não estão. Lá não é mais a casa dela. Ou, não deveria ser. Mas ela não sabe, esquece o que houve. E eu, que sempre pensei que esquecimento era um tipo de castigo, agora me pego pensando que talvez possa ser benção. Presente amoroso do tempo.
Tudo arrumadinho, sereno, limpo e silencioso. Uma paz maior do que a gente pode suportar.
Demorei para descobrir em qual parte daquela calmaria se encaixava a minha tormenta por vê-la ali.
Não parecia fazer o menor sentido. Senti raiva e fiquei virada para dentro.
Desentendia a lógica. Para mim era uma traição vestida para festa. Uma elegância feita de gestos estéreis, brancos, tão imaculados que se tornavam intransitáveis. Um acolhimento às avessas.
Enquanto estou mergulhada em meu inconformismo, vejo ele, meu pai, tirando da bolsa da minha mãe um frasco de acetona. Sentado na cama dela, segura suas mãos delicadas, oferece um beijo enquanto molha um algodão no líquido e começa a remover o esmalte já descascando das unhas dela. Dedo a dedo, um de cada vez. Em seguida tira o esmalte da bolsa e dá a ela nova cor. Dá muito mais, sabemos.
E meu coração, que é maior que a razão, chora.
Só o que penso é que se não cuidarmos corremos o risco de ficarmos cada vez mais impermeáveis.
É. Dentro da gente existem mundos inteiros a serem remendados.
Enquanto escolhi me fechar em desapontamento e tristeza, ele escolheu fazer suas mãos.
E porque as coisas estão mudas ele me ensina que podemos falar com os gestos.
Miudinha e amuada, não se parece em nada com o mulherão que fora um dia. Já não nos olha mais enviesadamente. Algumas vezes pergunta por que tem tanta gente almoçando na casa dela. Não estão. Lá não é mais a casa dela. Ou, não deveria ser. Mas ela não sabe, esquece o que houve. E eu, que sempre pensei que esquecimento era um tipo de castigo, agora me pego pensando que talvez possa ser benção. Presente amoroso do tempo.
Tudo arrumadinho, sereno, limpo e silencioso. Uma paz maior do que a gente pode suportar.
Demorei para descobrir em qual parte daquela calmaria se encaixava a minha tormenta por vê-la ali.
Não parecia fazer o menor sentido. Senti raiva e fiquei virada para dentro.
Desentendia a lógica. Para mim era uma traição vestida para festa. Uma elegância feita de gestos estéreis, brancos, tão imaculados que se tornavam intransitáveis. Um acolhimento às avessas.
Enquanto estou mergulhada em meu inconformismo, vejo ele, meu pai, tirando da bolsa da minha mãe um frasco de acetona. Sentado na cama dela, segura suas mãos delicadas, oferece um beijo enquanto molha um algodão no líquido e começa a remover o esmalte já descascando das unhas dela. Dedo a dedo, um de cada vez. Em seguida tira o esmalte da bolsa e dá a ela nova cor. Dá muito mais, sabemos.
E meu coração, que é maior que a razão, chora.
Só o que penso é que se não cuidarmos corremos o risco de ficarmos cada vez mais impermeáveis.
É. Dentro da gente existem mundos inteiros a serem remendados.
Enquanto escolhi me fechar em desapontamento e tristeza, ele escolheu fazer suas mãos.
E porque as coisas estão mudas ele me ensina que podemos falar com os gestos.
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quanta lindeza! quanta emoção!!
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