sexta-feira, 29 de maio de 2009

Impermanência

Sei trabalhar como ninguém, planejo, lidero, faço reuniões, contratos e planilhas... mas não sei cozinhar.

Comigo o bolo sempre sola, o arroz não solta, a sopa arde.
Mas me encanto diante do carmim da beterraba, da delicadeza dos floretes dos brócolis, das lindas curvas das abóboras, do que escorre das lichias, dos carocinhos dos figos, da textura dos abacates.
Podia compô-los num canto qualquer e fotografá-los.
Mas não sei lidar com eles.

Embora semana passada, pasmem, tenha feito a melhor abobrinha recheada do mundo.
Com as dicas da minha mãe, e os sentimentos como guia, encarei o desafio : cortei-as, tirei a polpa, a pele dos tomates, piquei minusculamente as cebolas, tudo ao som de Jorge Drexler.

Fiz como se estivesse esculpindo um anjo...

Deu certo !
Tanto trabalho e elas desapareceram em segundos.
Não pude evitar de pensar nos monges tibetanos, que faziam suas mandalas na areia, com o único propósito de reconhecer sua impermanência.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Fenda...

Há um açude em meu peito.
E um dique na minha cabeça.

Em meu peito tem um tanto de amor retido, acumulado, um amor que quer ser dado, ser entregue, ser consumido. Que é terreno fértil, úmido, que é um guardado para ser vivido com alguém muito especial, que é feito água vertendo sem parar, querendo inundar, querendo preencher...

Em minha cabeça há uma determinação lógica que quer manter um pouco de terra seca, que luta para controlar esse tanto de amor fluente, que armazena com a intenção de não faltar, que resiste bravamente às enchentes, e que é a antítese da minha vontade, mas que tantas vezes me permite não afundar.

Mas de uns dias pra cá descobri uma fenda.

E ela tem escorrido mais do que devia...

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Vermelho - Romã

Romãs de casa... Maio.2009

Quem dera houvesse mais romãs em nosso mundo.

Romãs são mágicas, dizem que cada uma tem 613 sementes, que são um símbolo de fertilidade e de abundância, que são hidratantes e antioxidantes.
Mas, mais do que isto, romãs são púrpuras, voluptuosas, cheiram a mato.
São feitas para se comer a dois.
Ou para se apreciar.

Logo ardem, e passam a existir em todas as partes, na cozinha, no vestíbulo, no corredor...
No peito. No ventre.
São um estado crônico de erupção. Um magma.

Romãs fazem a gente querer registrar, como se ao registrar, aquele vermelho jamais desaparecesse.
É... esse vermelho que sangra, que aquece, e que nos faz querer a vida embrulhada com fita de cetim, para presente !

domingo, 24 de maio de 2009

Um chapéu não devia ser só um chapéu...

Diz a história que quando ele encontrava uma pessoa que parecia um pouco lúcida, fazia com ela a experiência do desenho número 1, para saber se era verdadeiramente compreensiva.
Mas ouvia sempre: "É um chapéu".
E não era. Era uma jibóia que engolira um elefante.
Então ele sabia que com ela não poderia falar nem de jibóias, nem de florestas, nem de estrelas…

Pensando nisso resolvi aplicar a mim mesma a experiência.

… surgiram duas pessoas, abrigadas num lugar qualquer, muito próximas, e cumprindo uma promessa : a de se experimentar, a de se conhecer mais um pouco e mais uma vez, a de devolver, um ao outro, a crença nos sonhos, a fé no amor e o brilho dos olhos, mas, sobretudo a promessa de permitir que suas vidas se cruzem de verdade, e quem sabe, se tiverem sorte, que deste reencontro se percebam necessários, e que sintam uma vontade diária de se ter, de se desejar, de se cuidar, até que finalmente possam se salvar.

É… e como gosto de falar de jibóias, florestas, e estrelas… fico sempre irremediavelmente ligada a quem consegue ver além do chapéu.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Funciono assim...

Engraçado como o meu coração funciona...
Desenvolvi a capacidade de trabalhar com uma espécie de memória seletiva.
Aprendi, talvez por força das circunstâncias, que não foram poucas, a me lembrar principalmente das coisas boas.
Não quero o resto.

Não que eu desconsidere o que já passou.
Sei que a vida é o feed-back de nossas escolhas...
Mas nada é de todo ruim.
É só saber crescer.

E tenho tentado ter o discernimento de escolher “viver bem” apesar de.
E sei que para isso é necessário que se enterneça o coração.
E, que a gente se perdoe.

Mesmo assim sou exatamente quem era há anos atrás...
Autêntica. Com a mesma alma.
Uma alma não se modifica.
É.

terça-feira, 19 de maio de 2009

QUERO TE SABER

Qualquer dia desses paro o que estiver fazendo só para estar com você.
Quero estar sem pressa, quero olhar dentro dos teus olhos e quem sabe, finalmente, vamos nos saber...

Vou querer ouvir dos teus filhos, do teu novo amor, do que tem sonhado, dos teus planos, do que anda cantando quando está feliz, e se já esqueceu de teus velhos medos.

Vou querer contar de mim, dos meus projetos, do que tenho feito, do filho que quero ter, do amor que encontrei num velho amigo, dos livros que ando lendo e das crônicas que escrevo sem parar.

Mesmo falando disso tudo, sei que vai haver muito silêncio.
Estou assim.
Aprendi a entender o não dito.
Mas que haja entrega, como nunca tem havido.
E que eu veja teus olhos e compreenda finalmente o que as palavras nunca disseram.
Porque sempre há comunhão no encontro de quem se gosta.
E sei do seu gostar, assim como sabes do meu.

Qualquer dia desses.
Por que ainda não é o tempo de se encontrar...

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Luxúria

Prazer de verdade requer grande refinamento sensorial.
Há que se dedicar.
Não há espaço para o medo, é um mergulhar de cabeça sem saber exatamente onde se vai parar.
Requer tempo, qualidade, investimento.
Mas, mais do que isso, requer liberdade, e desmedida.
Tem que se deixar ser dominado pelo desejo de experimentar.
É a sensualidade máxima, o esplendor dos sentidos, a entrega.

Prazer de verdade tem que ter sedução, provocação, abundância.
Tem que levar o corpo e a alma a um estado alterado, um inebriamento.
Prazer de verdade faz faltar o ar.
É viver as próprias fantasias no outro.
É dar, e receber.
É somar, e dividir.

Mas há que se cuidar, pois prazer descuidado e excessivo é dialético.
Empanturra e escraviza.
Prende e rende.


Será ?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

"Luvem"

Imaginem só : minha filha fez sua primeira lição-de-casa !
Quem diria...
Ontem mesmo ela estava em meus braços, fazendo beicinho, falando suas primeiras sílabas, segurando-se para não cair.

Sabe... filho quando começa a crescer, desperta na mãe um sentimento ambíguo.
Metade da gente torce, vibra, comemora, regozija...
Mas a outra metade, essa sente saudades, um certo abandono, um desamparo tolo...

Mas, o que importa mesmo é a vibração que ela sentiu ao trazer, toda moça, a pasta azul debaixo do braço :
- Mamãe, vamos logo para casa que eu tenho lição !

Um pouco mais tarde :
- Foi fácil mamãe, eu liguei os pontinhos e fiz a bruxa chegar na “luvem” (nuvem) !

... Ai, que alívio, minha mocinha ainda fala “luvem”... risos !!!

domingo, 10 de maio de 2009

Mãe é a "Estrada dos Tijolos Amarelos"

Com o passar dos anos tenho aprendido a enxergar as coisas com uma ótica diferente.
Mãe é mãe.
Ouro de mina, como diz o poeta, tesouro precioso.
Mas há algo além... mãe é inside, é uma medida diferente de amor.

Mãe é a Estrada dos Tijolos Amarelos, da Dorothy, do Mágico de Oz. É o caminho de volta pra casa. É aquela sensação boa de que sempre se tem para onde ir.
Mãe é onde queremos estar quando o mundo parece árido demais, é o ar cheirando bem, é o nosso canto preferido. Mãe é o único lugar onde podemos ser birrentos, mimados e infantis, sem nunca parecer ridículos. É o carinho garantido, o perdão contínuo, é o resgate, o tanque reserva.
É a certeza do amor.
Mãe é mãe.
Amém.



Minha mãe e eu... há 38 anos.


Eu e mnha filha... e o amor que se repete...

Deixo meu carinho especial a todas as mães do mundo...

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O que salvar ?

Ano passado, pouco antes de chegar em casa, o zelador do prédio onde moro ligou para meu celular avisando que o edifício estava com um princípio de incêndio, e que se eu chegasse rapidamente ainda teria tempo para retirar coisas importantes.

Em menos de 5 minutos estava lá.
Subi pelas escadas, entrei em casa, uma fumaça preta no ar. Olhei bem ao redor.
- O que salvar ?

O quê, naquele lugar, era realmente importante ? Meus móveis, quadros, objetos de arte, roupas, computadores, documentos... ?

Impulsionada pelo calor, que começava a incomodar, resolvi ir direto ao essencial :
Um álbum de fotografias.
Meu livro de Crônicas, ainda inacabado.
Uma gárgula de 40cm que comprei em Paris.

Só.
Esses eram meus tesouros. Desci apressada, entrei no carro e fui pegar minha filha na escola. Fomos tomar um milk-shake gelado, de chocolate.

Sinto-me livre ao perceber que cada vez mais, preciso de menos coisas.

terça-feira, 5 de maio de 2009

VOYER do amor...

Mil coisas para serem vistas, e eu não conseguia tirar os olhos deles. A paisagem, outras tantas pessoas interessantes, a bela música, as luzes, a boa comida, meus dois amores, nada disso desviava meu olhar.

Nem bem vi e lá estavam, surgiram com a música.
E só tinham olhos um para o outro.
Dançavam o amor, fundiam-se cadenciados, conduzindo um ao outro com passos leves e muito sensuais.
Pouco importava a idade avançada e seus corpos já não tão rígidos. Naquele momento eram atemporais.
Olhos nos olhos, pele, calor.
Expressavam ali todos os seus sentimentos.

Ele ajoelhou a seus pés sem desviar um instante que fosse seu olhar, e a despeito da multidão ao redor estavam sós. Tomou sua dama pelos braços e conduziu-a pelo ar.
Havia extrema beleza e entrega naquela dança.
Por onde passavam deixavam um rastro mágico de desejo.

Não pude imaginá-los fazendo outra coisa senão amor.
Eram um só.
E eu ali, a espreitá-los.