sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Odoyá!

Deus, queria te contar que, como as férias da minha filha acabaram, voltamos a acordar antes do sol nascer. Ando alegre por causa disso. Tenho te visto mais. Enquanto espero o leite dela esquentar sento num cantinho da sala e o espio pela janela. Você é cor de rosa nessas horas. Penso que, se não soubesse das coisas, acharia que o mundo tinha acabado de nascer, naquele instante. Bem na minha frente.

Tenho te visto em tantos lugares, de tantas formas e com nomes diferentes, mesmo assim não sei lhe atribuir características ou qualidades humanas, nem pretendo desvendá-lo. Acho bonito assim, esse sentir sem sabermos ao certo. Esse milagre diário.
Sei que está comigo quando flutuo no mar, quando calo minhas dores e em cada uma das minhas cicatrizes.
Está na minha impotência, nas minhas inabilidades e até nas minhas faltas.

Mas, sobretudo, sei que está em cada sino, em cada canto, nos mantras, nas kalimbas e nos atabaques.
Na nave de cada altar, nas sinagogas, no quarto dos idosos, na solidão que nos assola, nos terreiros e nos quintais.
Está na hóstia sagrada, no pão sovado, na farinha de matzá, na sopa de cebola com mandioquinha e em todas as canjicas.
É qualquer abrigo, qualquer presença. É pertencimento e permanência. Está em quem fica. E em quem parte.

Está nas velas que choram, nos incensos perfumados, nas espirais de fumaça, nas ofertas e em cada tapete virado para Meca. Está nos anjos, nas divindades, nas imagens dos santos e nos orixás.

Mas, Deus, amanhã será sábado e não vou acordar antes do sol nascer. Não vou te ver no céu rosado, mas sinto um estranho orgulho porque sei que pertenço a cada um desses fragmentos. Mesmo quando não vejo.
Agradeço por ser eu também um pouco o vento, um pouco a lua, o cordeiro e a serpente.

Essa mistura é tão bonita que já não acho mais tão necessário dar nomes às coisas.
Então, meu Deus, é assim que me despeço: grata como sempre, mas te chamando de Iemanjá.
Só porque sei que você também é o peixe, o cardume, a água, a mulher e o sal.
E porque amanhã o dia é dela!

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