terça-feira, 3 de janeiro de 2012

um conto que te conta...

Quando pequena, a menina morava no sertão. Ela, e oito irmãos. Uma miséria. O pai era tocador de gado, e passou os dias levando-os de um pasto a outro. Na verdade passou os anos, passou a vida. Mas criou seus filhos.
E bonito não era só isso. Bonito era o que o pai fazia quando voltava para casa, toda noite, num ritual sagrado. Saltava do cavalo fazendo poeira, atrelava-o à cerca ao lado do alpendre, sujo e cansado, e assoviava forte até que as crianças viessem todas. Só depois de conferir os nove, tirava a capa dos ombros, que o protegia do sol, e a rodava com as mãos, jogando-a sobre o chão de terra batida em frente à pequena casa de pau-a-pique, num gesto mágico. A capa, misteriosamente, caia sempre aberta, e as crianças amontoavam-se nela, sentadas bem próximas umas das outras. Era o instante que fazia valer os dias. O pai começava então a contar histórias...
Contava sobre o cangaço, sobre o coro de anjos que os vaqueiros ouviam em dias sem lua, sobre o caipora, sobre a terra, sobre seus acontecimentos...

A menina nunca se esqueceu daqueles momentos.
E as histórias passaram a morar nela.
Muito tempo passou.
Sem a capa e sem o sertão, sem saber das letras ou das poesias, a menina começou a contar a vida, e era tanta, e com tanta riqueza, que melhorava toda gente que a ouvia.

E, curiosamente, ela estava ali... ao meu lado, sentada no chão de um teatro fazendo um curso para aprender a ser uma Contadora de Histórias.
Mas, como ensinar a alguém o ofício que já exercia, e tão divinamente ? Como ?
Talvez contando um conto em que ela fosse contada.
Mas só talvez.
.

9 comentários:

  1. Lindo e quem sabe? Talvez!!! Sempre há o talvez! beijos,chica

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  2. Olá, adoro histórias de sertão, linda a sua, abraços

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  3. Sol, minha querida!
    Nossa, bonito demais!....
    Eu sou quase um adorador da obra (letras e musicas) de Elomar Figueira de Melo... Meu Deus, que cara genial!..
    Assim que acabei de ler teu texto lembrei-me de uma das letras de Elomar. Esta aqui:
    ACALANTO
    "Certa vez ouvi contar
    Que muito longe daqui
    Bem pra lá do São Francisco, ainda pra lá...
    Em um castelo encantado,
    Morava um triste rei
    E uma linda princezinha,
    Sempre a sonhar...

    Ela sempre demorava
    Na janela do castelo
    Todo dia à tardezinha, a sonhar...
    Bem pra lá do seu castelo,
    Muito além, ainda mais belo,
    Havia outro reinado,
    De um outro rei.

    Certo dia a princesinha,
    Que vivia a sonhar
    Saiu andando sozinha,
    Ao luar...

    E o castelo encantado
    Foi ficando inda prá lá
    Caminhando e caminhando,
    Sem encontrar.

    Contam que essa princezinha
    Não parou de caminhar,
    E o rei endoideceu,
    E na janela do castelo morreu,
    Vendo coisas ao luar".

    Sol, não se conheces a obra de Elomar... Ele muitas vezes conta histórias semelhantes...
    Beijos
    Edson Zandonadi

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  4. Solange,
    e como imaginar que seria o seu conto?

    Seria o conto de um rosto.

    É isso!

    Um rosto que enfeitiça por mistério,alegra por ternura e borrifa sensualidade como água benta de amor.

    Mistério de toda mulher,mas diferente de todas pois, dele emana inexplicável odor em gotas de eucaliptos.

    Há em você um mistério,trancado a sete chaves,pena que eu só tenha uma e não duvide,basta olhar no meu perfil.

    Uma única na chave na fechadura jamais abrirá sua caixa de Pandorra, é muito pouco para sacar deste seu cofre inexpugnável de serenas tentações,todos os seus mistérios.

    Quer que eu minta?

    Mas , continuo a me alegrar pela ternura do seu rosto.

    Isso eu posso.

    Alegria que sinto como a do sorriso banguela de um recém nascido que nervosamente, procura o corpo da mãe com suas mãos agitadas para segurar-se, prender-se, ter segurança, saber que foi dele que lhe veio a vida, o ar e a magia da sua própria criação.

    E se não bastasse, deste seu rosto que borrifa sensualidade, sem querer, nem fazendo por mal, apenas por ser parte da sua própria essência de êxtase e encantamento do seu olhar, ainda deixa rolar pela geografia simetrica das suas partes: gotas!

    Gotas aspergidas de um rosto sensual que nem quero pensar possam cair dos seus olhos , pois desejo sempre que brotem dos merecidos anseios da sua boca, na troca,dando o troco,na moeda corrente do amor.

    Viu,seu rosto deu um conto!

    Vou guardar essse conto, também no meu coração,lamentando que só o seu rosto nele caberia,pois neste conto do seu rosto,tentar contar junto com ele, também, todo o mistério,ternura e sensualidade do seu corpo, já seria um outro conto.

    Um outro conto que uma só chave na fechadura,jamais conseguiria abrir este seu portal de tantos outros mistérios, alegria e sensualidade.

    Precisaria de mais seis.

    Um abração carioca Solange, cujo rosto inspira os contos de todos nós.

    PS.Desculpe ter sido prolixo.Culpe o seu rosto!

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  5. talvez,
    duvidas e incertezas
    um inicio de ano
    maravilhoso
    com carinho linda tarde bjs

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  6. Solange, com imenso prazer venho no seu blog. Venho mesmo pra me fartar, porque vc derrama sabedoria, sensibiliade e inquietaçao...

    Adorei o texto, adorei o conto. Tanta coisa me passou na cabeça eqt lia.

    Algumas delas é que às vezes nos pensamos que alegria soh pode ser possivel em meio as posses...é mt dificil esvaziar-nos desse meio material para compreender essa riqueza cultural, humana e divina da vida que acontece sem pretensao.

    E outra coisa foi que lembrei de minha historia..tb fui criada assim praticamente no sertao, adorava ouvir historias qd pequena, eu confiava nos adultos que contava historias....depois eu tb me inscrevi num curso de contar historias e comecei a contar historias para crianças...

    Devo dizer que vc mexeu mais comigo em outras coisas mas, compartilho por eqt isso.

    E digo uma coisa, a gente sempre tem mais para aprender...beijos e obrigada por esta historia linda!!!

    Nana Andrade

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  7. Talvez essa seja a ideia certa!
    Talvez...

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  8. Encantada! Fez-me recordar a minha infância aqui no Sertão do Seridó!

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  9. que conto lindo! mostra bem a importancia de uma familia na vida do ser humano.
    aprender ela não precisa, mas talvez ela estava lá pra praticar.

    bjos...

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